Diagnóstico de transtornos mentais pós-pandemia preocupa especialistas

Para Valéria Barbieri, sociedade precisa atentar para o risco de banalização desses diagnósticos

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foto: Agência Brasil

Especialistas afirmam que a pandemia da covid-19 deu origem a outra pandemia, a dos transtornos e doenças mentais. Mas, preocupada com os diagnósticos dessas doenças, Valéria Barbieri, professora de psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, chama a atenção para a “tarefa complexa de realizar o diagnóstico de uma doença mental”.

Provocada a falar sobre o aumento da busca por psicólogos e psiquiatras e os agravos de sintomas do transtorno obsessivo compulsivo (TOC), a professora avalia que os efeitos da pandemia da covid-19 sobre a saúde mental das pessoas “podem revolucionar a nossa compreensão da psicopatologia, principalmente, no que se refere ao modo de lidar com a ansiedade e os efeitos do estresse a longo termo na vida da pessoa”. 

E essas informações valem não apenas para o TOC, adianta Valéria, mas para “muitos outros distúrbios, como os transtornos de adaptação, os transtornos de estresse de todos os tipos, de ansiedade e vários outros”. Decorrências devidas tanto pela pandemia em si quanto pelas restrições do distanciamento social, que interromperam tratamentos psicológicos e psiquiátricos. Como a pandemia ainda não está controlada, diz a professora, “encobre um pouco essa realidade, mas nós já estamos assistindo a uma outra pandemia, e dessa vez relacionada à saúde mental das pessoas”.

Com uma pandemia de saúde mental, adverte Valéria, a sociedade deve ficar atenta para a “banalização do diagnóstico” dessas doenças, exemplificando que, naqueles que sofrem de TOC, “as compulsões não têm uma ligação realista com o que a pessoa tenta evitar; então, se o comportamento da pessoa extrapola a realidade ou se parece ilógico, isso é um sinal que merece atenção, mas não é suficiente para dizer que ela tem um transtorno”.

A professora reforça que o diagnóstico psicológico e psiquiátrico é algo “extremamente delicado”, pois vai além de constatar os sintomas, sendo necessário “verificar a personalidade como um todo e com profundidade”. Informa que é necessário ir fundo e procurar os motivos do sintoma, da angústia, a história de vida da pessoa, seus relacionamentos e processos. Para fechar uma conclusão sobre o TOC, segundo Valéria, deve-se analisar as compulsões “que se referem a uma dinâmica emocional bem complexa, que é da expressão de um desejo e do medo da punição; então, é preciso conhecer essa dinâmica: que desejo é esse e qual a punição temida”.

Diagnóstico em crianças

A pandemia da covid-19 conferiu a comportamentos que antes eram considerados disfuncionais, como a compulsão por lavar as mãos e usar produtos de higiene e limpeza,  uma função importante para prevenir o contágio do vírus. Assim, hábitos fundamentados por conclusões científicas e que fazem sentido na sociedade e na cultura de que o indivíduo faz parte “podem ser considerados adaptativos ou saudáveis”.

Porém, a realidade da circulação do vírus da covid-19 e suas medidas preventivas não criam o TOC, mas, “com certeza podem precipitá-lo ou agravá-lo”, afirma a professora Valéria, já que intensificam a ansiedade e tornam os anseios reais. Mas, assegura, a nova realidade não causa o TOC.

Ensina que é preciso identificar se hábitos adquiridos durante a pandemia são exagerados e trazem algum sofrimento ao indivíduo, uma vez que a situação vem exigindo maior controle e pode se intensificar naqueles que já apresentavam um super controle. Mas, para chegar a um diagnóstico de TOC, “é necessário ver até que ponto isso interfere na vida da pessoa, até que ponto essas manias podem incapacitá-la”, avalia. 

No caso dos adultos, a professora afirma que a imposição de padrões de comportamento, com novos hábitos de limpeza e higiene, não é suficiente para gerar o TOC, ainda que  tais comportamentos – lavagens frequentes das mãos e ênfases na limpeza – “possam persistir por algum tempo, mesmo após a pandemia ser ultrapassada”. Já as crianças merecem mais cuidados. Como estão em processo de construção da personalidade, as crianças precisam ser acompanhadas para verificar se ficaram com algum trauma pela experiência vivida em família e em sociedade. 

Para quem possui o diagnóstico de TOC, Valéria informa que o tratamento mais indicado é a psicoterapia. Em alguns casos, pode ser necessária a medicação, quando os sintomas são muito incapacitantes para a pessoa. Ela lembra, contudo, que o medicamento atenua o sintoma, mas não combate a causa.

Fonte: Jornal da USP