Cresce mais de 140% o número de procedimentos estéticos em jovens nos últimos dez anos

Para especialistas entre os motivos estão as redes sociais e a insatisfação com a própria imagem, e a infelicidade causada por dificuldades em se sentir capaz ou insuficiente para lidar com o mundo, a sociedade e a realidade de uma forma geral

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Imagem ilustrativa - Foto: Divulgação

O Brasil é líder mundial no ranking de cirurgias plásticas em jovens. De acordo com dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), dos quase 1,5 milhões de procedimentos estéticos feitos em 2016, 97 mil (6,6%) foram realizados em pessoas com até 18 anos de idade. Entre as justificativas para o quadro está a insatisfação com a própria imagem que, segundo o psicólogo Michel da Matta Simões, pesquisador da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, boa parte é motivada por demandas sociais “que exigem dessas pessoas mais do que elas podem, ou se sentem capazes de oferecer”.

Aos 18 anos, a estudante de direito Alicia Keyt realizou sua primeira cirurgia plástica. Após fazer um acordo com a mãe, trocou a oportunidade de ganhar o primeiro carro por implantes de silicone. Ela conta que o desejo de mudar apareceu ao acreditar que seu corpo estava fora do padrão de feminilidade. “Para mim a mulher precisava ter peitos; eu achava que era algo que eu tinha que seguir. Hoje eu vejo que não tinha tanta necessidade”, conta.

A estudante mudou de ideia sobre a importância dos implantes após a cirurgia. Conta que não se arrepende, mas, após ter estudado sobre o assunto e aprendido outros conceitos, como auto aceitação, feminismo e amor próprio, diz que poderia ter esperado mais. “Esse procedimento não me ajudou a me aceitar. Hoje, se eu não tivesse colocado a prótese, acho que teria me aceitado do jeito que eu era, porque depois que coloquei, vi que o meu corpo era perfeito”.

O difícil processo de recuperação pós-cirúrgico que inclui meses sem poder fazer nenhum tipo de esforço só ficou claro para a estudante após o procedimento. E o resultado tão esperado veio somente após um ano inteiro de muito cuidado pós-operatório. “Eu coloquei um biquíni e fui me olhar no espelho; quando tirei uma foto, falei ‘cara, esse é o resultado que eu estava esperando’”, conta, lembrando que precisará usar sutiã de sustentação cirúrgico para o resto da vida.

Depois de passar pela experiência, Alicia recomenda muita pesquisa e reflexão antes de  tomar qualquer decisão e se submeter a algum procedimento estético. Diz ser importante ter mais de uma opinião médica e, principalmente, saber tudo a respeito da cirurgia escolhida. “É a sua vida e sua autoestima que está em jogo”, afirma a estudante que não pensa em retornar às mesas cirúrgicas. “É uma coisa muito séria, muito invasiva, te impossibilita de muita coisa e você vai ter que ter um pós para o resto da vida. Hoje vejo tanta gente nova fazendo e penso ‘meu Deus, eu sou uma estatística’”, conta.

Universo virtual e insatisfação com autoimagem

Somente nos últimos dez anos houve um aumento de 141% no número de procedimentos entre jovens de 13 a 18 anos, segundo a SBCP. Entre as cirurgias mais procuradas estão os implantes de silicone, a rinoplastia e a lipoaspiração. Para o psicólogo Michel Simões, essa procura está muito ligada a um conflito entre aquilo que os indivíduos gostariam de ser e o que é exigido para que se considerem ajustados à sociedade. Diz que a insatisfação com a própria imagem, vem da infelicidade causada por “dificuldades em se sentir capaz ou insuficiente para lidar com o mundo, a sociedade e a realidade de uma forma geral”.

Para o psicólogo, as redes sociais desempenham um papel importante nesse processo de insatisfação, seja pelo alcance “que elas proporcionam quanto pelas possibilidades que elas oferecem”. Simões acredita que o universo virtual, ao veicular a ideia de corpo e estilo de vida perfeitos como algo real e concreto, cria padrões e ideais de beleza que são inatingíveis. “Todo esse mecanismo dificulta a integração daquilo que se tem a oferecer e torna os recursos pessoais de cada um insuficientes, porque, aquilo que é natural é imperfeito e, portanto, diferente daquilo que se posta e compartilha”.

Quando cirurgia representa qualidade de vida

Porém, os jovens não procuram as cirurgias plásticas somente devido à preocupação estética; sofrimentos emocionais agravados por restrições sociais autoimpostas podem justificar correção cirúrgica. É o que explica o cirurgião plástico e professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP Pedro Coltro.

Segundo o professor Coltro, existem casos em que os procedimentos merecem ser realizados mesmo antes dos 18 anos. São aqueles em que pessoas jovens sofrem por apresentarem, por exemplo, mamas grandes ou pequenas demais ou ainda deformidades no nariz; situações que, garante Coltro, podem levar ao constrangimento e à restrição do convívio social.

O professor diz que os procedimentos cirúrgicos com fins estéticos são recomendados para jovens a partir dos 18 anos, quando possuem mais autonomia e maturidade para tomarem decisões. Mas, casos em que pessoas estão suscetíveis ao sofrimento do bullying escolar, além de “uma redução drástica de autoestima e qualidade de vida”, devem ser analisados separadamente. “Se a gente pensar que a definição de saúde pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é o estado de bem estar físico, social, mental e psicológico, a cirurgia plástica nesses casos vai trazer uma melhora para a qualidade de vida do paciente, logo para a saúde”, analisa Coltro