Preconceito dificulta ressocialização de meninas infratoras, diz estudo

Detentos - Foto: Agência Brasil

De mulheres se espera quase tudo: que encontrem um bom marido e se casem; que tenham um trabalho regular para ajudar no equilíbrio financeiro de casa, mas sem muito destaque; espera-se que tenham filhos, cuidem de casa, comida, escola das crianças; mas que façam tudo, se possível, sem reclamar. A expectativa é de que nasçam, cresçam e tornem-se adultas sem sair da linha.

Mas o que acontece quando essa expectativa é quebrada? Segundo a professora Marina Rezende Bazon, do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, nessas situações a resposta social pode ser mais dura que aquela dada para pessoas do sexo masculino no mesmo tipo de comportamento.

As afirmações da professora Marina vieram do estudo Comportamentos divergentes e delituosos autorrevelados em adolescentes do sexo feminino e variáveis psicológicas e sociais associadas, realizado com 1.120 adolescentes, todas do sexo feminino e com idades entre 12 e 18 anos incompletos, estudantes de escolas públicas e privadas de duas cidades de porte médio, uma no interior de Minas Gerais e outra no interior de São Paulo.

Autorizadas pelos pais e diretores das escolas, as meninas responderam a um questionário e revelaram os comportamentos antissociais que, por ventura, apresentaram, sejam os divergentes – que ferem normas sociais, mas não necessariamente infringem as leis – como cabular aula, fugir de casa e fazer uso de álcool e drogas quanto os delitivos, que infringem leis judiciais, como realizar furtos, praticar delitos e uso de violência.

Com os dados, a pesquisadora conseguiu quatro grupos distintos de meninas, classificadas pelo nível de comportamentos antissociais e de práticas divergentes e delituosas e, assim, analisar as características psicológicas e sociais de cada uma.

O primeiro grupo, com 21% da amostra (243 adolescentes), reuniu as que apresentaram pouco ou nenhum envolvimento em comportamento antissocial. No segundo, com 57% (676), ficaram as adolescentes que tiveram mais atitudes divergentes e pouca prática de delitos. No terceiro estavam os 20% (230) das meninas que relataram frequência um pouco maior de comportamentos divergentes e de delitos de menor gravidade. Por fim, no quarto grupo, ficaram as 25 garotas, ou 2% da amostra, que praticaram muitos delitos graves e que envolviam uso de violência.

Infográfico: Luana Franzão/Jornal da USP

Violência doméstica marca destino das menores infratoras

Implicação em delitos tem forte relação com a violência, tanto física quanto psicológica, sofrida em grande parte dentro de casa por essas jovens. E, como exemplo, a professora cita os resultados observados nos grupos três e quatro de seu estudo. Marina conta que a quantidade de comportamentos antissociais e delituosos encontrados foram diretamente proporcionais às dificuldades psicológicas, exposição e vitimização às violências e problemas sociais.

Para a professora, com a predisposição à violência vivida em família, fica difícil para essas meninas atender à expectativa social de que se tornem exemplo de boa conduta. Como a sociedade não admite a possibilidade de pessoas do sexo feminino se envolverem em comportamentos fora do padrão estabelecido, como o envolvimento em crimes, “esse tabu impede a prevenção, o conhecimento e políticas públicas de tratamentos adequados”.

O problema se torna ainda maior no sistema prisional. Marina conta que, mesmo não admitindo comportamentos antissociais e delituosos para as mulheres, os sistemas prisionais e de socioeducação recebem essas adolescentes sem o devido preparo para ressocializá-las e integrá-las à sociedade. “O sistema não está preparado para isso, seja por preconceitos, seja pela falta de sensibilidade às diferenças que essas meninas podem apresentar em relação aos meninos e as meninas que não apresentam esse tipo de comportamento.”

Para Marina, é preciso que a sociedade conheça essas questões e dialogue sobre a realidade dessas meninas, as dificuldades que enfrentam e, assim, crie políticas públicas efetivas. “É preciso que o mesmo cuidado que se tem com adolescentes do sexo masculino seja dado às adolescentes do sexo feminino, principalmente em um contexto em que as estatísticas apontam para um crescimento significativo do problema”, afirma.

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