Órfãos da Covid | Filhos enfrentam primeiro Dia dos Pais sem o pai

Após mais de 560 mil vidas perdidas para o novo Coronavírus, data é símbolo de saudade para algumas famílias brasileiras; segundo psicóloga, é natural reviver o luto neste momento

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Em entrevista ao Grupo Thathi, filhos contam as lembranças ao lado dos pais Fotos: Arquivo Pessoal

Para muitos filhos, o pai é o primeiro super-herói da infância. Conforme as crianças crescem, essa figura passa de porto seguro a conselheiro, às vezes professor e também exemplo a ser seguido. Neste domingo (8), é dia de homenagear aqueles que ajudaram a trazer a vida. Para famílias de todo o Brasil essa data é símbolo de comemoração, mas para aqueles que perderam o pai para a Covid-19, a lembrança pode ser um tanto quanto agridoce. 

É assim para o jornalista Samuel Prisco, 38, que acompanhou a trajetória de seu pai João Batista Prisco, 69, desde a internação até o último dia de vida e agora enfrenta o primeiro dia dos pais sem ele. “Tem um buraco nas nossas vidas. A dor da ausência é muito maior do que a dor da perda. Sinceramente, apesar de ser pai de dois filhos lindos, não há muito o que celebrar. Vou tentar passar como um dia normal, comum, e visitá-lo no cemitério. Mesmo que em planos diferentes, vamos estar juntos”. 

O jornalista conta que, apesar de rígido, o pai era dono de um coração fantástico. Trabalhou cedo e teve responsabilidades precoces que transferiu para os dois filhos como ensinamentos de vida. “Nós crescemos tendo um pai e um professor ao mesmo tempo. Sempre foi muito presente, muito dedicado e fez de tudo pela família. Nos acostumamos a ter alguém no controle de todas as ações. Foi um conforto que hoje faz muita falta”. 

O jornalista Samuel Prisco, 38, com seu pai João Batista Prisco, 69 Foto: Arquivo pessoal

O pai de Prisco faleceu no dia 29 de março deste ano, após um AVC isquémico em decorrência da Covid-19. Para o filho, a despedida ocorreu alguns dias antes, logo quando deu entrada no hospital. “Aquela foi a última vez que o vi com alguma consciência. Ele me deu um tchau e finalmente foi para o tratamento. Foi muito doloroso acompanhar de perto esse processo de perda. Mesmo que por pouco tempo, meu pai sofreu muito”. 

Para o filho, fica a lembrança de todo o legado que Prisco deixou. “Hoje, dia dos pais, ele faria uma costela no bafo, colocaria a cerveja para gelar, sentaria com a gente para fazer aquelas brincadeiras marotas e ficaria orgulhoso daquilo que conquistou, que é o nosso respeito e admiração”.

Exemplo de amor 

“Em apenas 15 dias, esse vírus veio e mudou toda a minha vida e da minha família”. Foi assim que a contadora Daiane Trevizan, 35, escolheu iniciar sua história. Seu pai, Paulo Donizeti Furlani Trevizan, 61, faleceu em abril deste ano. “Foram dias de muita angústia, sofrimento e esperança. Eu acompanhei ele desde o primeiro sintoma. O mais engraçado é que no dia da intubação, mesmo vendo de longe, ele se despediu de mim, para nunca mais”.

A contadora Daiane Trevizan, 35, com seu pai Paulo Donizeti Furlani Trevizan, 61 Foto: Arquivo pessoal

Após o último adeus, Daiane escolheu se lembrar do pai como um exemplo de amor e de coragem. “Meu pai era o homem mais bondoso que já conheci, tinha um coração enorme, sempre soube compartilhar com o próximo. Sempre será um exemplo de coragem. Ele é meu pensamento diário e quando falo dele é com lágrimas de saudade e orgulho”.

A filha conta que o pai sempre esteve presente. Foi o seu primeiro amor, que cuidou de Daiane e seu irmão nos mínimos detalhes. “Essa é doce e linda lembrança que eu e meu irmão temos desse pai, que sem medir esforços fazia tudo por nós, pela nossa felicidade. Deixou um legado e um exemplo de amor. Ele não está aqui presente, mas permanece vivo em mim, no meu coração”.

Nesse dia dos pais, o primeiro sem Trevizan, Daiane diz que vai ser difícil sem a presença e a alegria do pai. “É muito difícil acordar e não ter ele para dar aquele abraço apertado, entregar o presente dele. Todos os domingos a gente se reunia em família no rancho, ele sempre foi o maior incentivo às festas, às reuniões entre família e amigos. Sempre vai faltar a alegria dele em tudo”. 

Seo Prisco sempre foi muito presente e dedicado à família Foto: Arquivo pessoal

“Nesse dias dos pais, peço por mais amor e dedicação àqueles que nos deram a vida, que lutam diariamente pela nossa felicidade”, diz Daiane. Já o jornalista Prisco, fala que essa data é importante para olhar para trás e valorizar a presença paterna. “Eu diria para aqueles que possuem alguma diferença com seus pais, que se acertem. Para aqueles que valorizam muito o trabalho e talvez não dão atenção à família, que mudem o quanto antes”. 

“Para quem acha que é apenas uma data, que repense. As lembranças que tenho do meu pai são meu maior conforto. Mas a possibilidade de ter ficado ainda mais com ele, ter me dedicado mais como filho, talvez ter feito melhor, são meu remorso. Meu pai e eu tínhamos uma relação maravilhosa, mas sempre vai parecer que podia ter um algo a mais”, finaliza. 

560 mil

Apesar do avanço da vacinação no Brasil e no estado de São Paulo, que traz uma luz de esperança para o final da pandemia, as histórias da contadora Daiane e do jornalista Prisco são reflexos da perda de mais de 560 mil vidas para o novo Coronavírus, somente no País. Neste domingo, diversas famílias vão passar o dia dos pais sentindo a ausência de algum desses entes queridos que se foram. Momento esse que, para a psicóloga Érika Arantes de Oliveira Cardoso, deve ser vivido com a consciência de que é natural reviver a dor do luto. 

Trevizan deixou um legado de bondade e dedicação para os familiares Foto: Arquivo pessoal

“O luto é um processo individual, sem prazo determinado para sua elaboração. Essas datas comemorativas são gatilhos para a lembrança e a dor que estava adormecida, em geral, desperta. Ajuda se o enlutado compreender que o reabrir dessa ferida é parte natural do processo e se permita sentir e viver essa dor. Elaborar o luto não é deixar de pensar na pessoa que morreu e de sofrer com sua ausência, mas é achar um lugar confortável para ela dentro de si”, afirma.

Ainda de acordo com Érika, cada pessoa pode enfrentar esse sentimento de um jeito diferente e é importante que os amigos e familiares respeitem esse processo. “Cada um expressa a dor de uma forma, não existe uma maneira ideal de mostrar seu sofrimento. Existem momentos em que o enlutado vai desejar a solidão, momentos em que irá desejar uma companhia calada, e em outros que precisará desse apoio social para retomar a vida. Fique junto, atento, disponível, com o cuidado de não ser intrusivo e apressar o processo de elaboração, que precisa ser intensamente, e em muitos casos, sofridamente, vividos”.