Brasil se une à Coreia do Norte e à Venezuela ao omitir dados da Covid-19

“Ocultar e manipular dados é estratégia de regimes autoritários que deve ser rechaçada com veemência”, denunciou a organização Transparência Internacional

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Presidente da República Jair Bolsonaro - Foto: Sérgio Lima/APF

A decisão do governo brasileiro de passar a omitir o balanço total de óbitos da Covid-19 a partir deste sábado (6) coloca o país ao lado da Venezuela ou do regime mais fechado do mundo, a Coreia do Norte, na gestão da transparência das estatísticas da pandemia. “Ocultar e manipular dados é estratégia de regimes autoritários que deve ser rechaçada com veemência”, denunciou a organização Transparência Internacional.

Segundo o presidente Jair Bolsonaro, a decisão de não informar o total de mortes é “melhor para o Brasil”. O site do Ministério da Saúde, responsável pela publicação dos dados nacionais, ficou horas fora do ar na tarde de sábado. Ao retornar, reapareceu modificado: apenas o número de mortes das últimas 24 horas é mencionado, além dos novos casos registrados e os pacientes que se recuperaram da doença.

Em nota, republicada por Bolsonaro, o ministério explicou que a mudança “permite acompanhar a realidade do país”. “Ao acumular dados, além de não indicar que a maior parcela já não está com a doença, não retratam o momento do país. Outras ações estão em curso para melhorar a notificação dos casos e confirmação diagnóstica”, afirma o texto, que argumenta ainda que a atraso na divulgação dos dados ­­– agora feita às 22h – é para “evitar subnotificação”.

A alteração acontece um dia depois de o secretário especial da Saúde, Carlos Wizard, dizer que o governo vai “recontar” o número de mortos porque considera os dados “fantasiosos ou manipulados”.

No mundo, apenas a Coreia do Norte não informa as estatísticas da pandemia. Já a Venezuela divulga informações subestimadas sobre o alcance do vírus, de acordo com observadores internacionais. Em maio, quando o governo de Nicolás Maduro relatou 10 mortes no país, a organização Human Rights Watch denunciou que os números oficiais eram “falsos” e “absurdos”. Situação semelhante é encontrada na Arábia Saudita.

Por conta do apagão no site do Ministério da Saúde, a universidade americana Johns Hopkins, referência no monitoramento de casos de Covid-19 no mundo, chegou a retirar o Brasil dos seus gráficos, atualizados em tempo real e baseados nos números oficiais. A doença já deixou ao menos 34.930 mil vítimas fatais no país, das quais pelo menos 904 de sexta para sábado.

As reações à modificação da publicação das estatísticas não tardaram. O Ministério Público Federal (MPF) abriu um procedimento extrajudicial para apurar as razões da mudança. A pasta federal terá 72 horas para dar explicações.

A Sociedade Brasileira de Infectologia publicou uma nota de repúdio. O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes declarou, pelo Twitter, que “a manipulação de estatísticas é manobra de regimes totalitários” e “o truque não vai isentar a responsabilidade pelo eventual genocídio”.

Também o ex-ministro da Saúde Luiz Mandetta disse que a mudança corresponde a uma “lealdade militar extrema, mesmo que burra e genocida”. “Militares estão acostumados a construir grandes bunkers de segredos intransponíveis. Numa guerra contra vírus e bactérias, nas guerras da saúde, a informação compõe a primeira linha de defesa do indivíduo”, afirmou Mandetta, durante uma live mediada por Gilmar Mendes, no canal do IDP (Instituto de Direito Público).

Mandetta foi demitido por Bolsonaro depois de insistir na importância das medidas de quarentena para controlar a pandemia no país. “Sem informar da maneira correta, o Estado pode ser mais nocivo do que o vírus”, resumiu.

No mundo, a pandemia de coronavírus matou mais 397 mil pessoas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. O balanço deve ultrapassar a barreira de 400 mil óbitos neste domingo (7).

Texto: RFI