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Violência contra idosos: um desafio do envelhecimento

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Violência contra idosos: um desafio do envelhecimento
Advogada, é graduada em Tecnologia em Processamento de Dados, especialista em Direito Civil e Processual Civil e pós-graduanda em Políticas Públicas e Sociais do Idoso.

O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial. As Nações Unidas estimam que cerca de 1 milhão de pessoas ultrapassem a barreira dos 60 anos de idade a cada mês no mundo.

Porém, enquanto os países europeus demoraram mais de um século para envelhecer, no Brasil o fenômeno acontece na metade desse tempo. No início do século XX, a expectativa de vida do brasileiro não passava dos 33,5 anos, chegando aos 50 na metade daquele século. Em 2011, era de 74,1 anos, sendo que as mulheres vivem, em média, sete anos a mais do que os homens.

Até os anos 60, a população brasileira era representada por uma pirâmide etária, na qual a base era a quantidade de crianças e o ápice eram as pessoas idosas. Entre os fatores que influenciaram a transição demográfica brasileira, citam-se a crescente participação da mulher no mercado de trabalho, sua contribuição para a redução significativa da taxa de fecundidade e a descoberta da pílula anticoncepcional, que tornou possível o planejamento familiar em relação ao número de filhos. Além disso, paralelamente a esse processo, houve o avanço da Medicina, principalmente com a descoberta dos antibióticos e melhorias nas condições de saneamento básico, o que levou à redução da mortalidade infantil e ao aumento da longevidade.

Na família tradicional, numerosa, em que todos viviam juntos, o cuidado com os velhos era de responsabilidade da família e era considerado um privilégio tê-los por perto. Diversas mudanças vêm desconstruindo esse modelo. Hoje, a família se transforma, se adapta e se reorganiza por conta da redução do número de filhos, das diversas formas de relacionamentos e casamentos, dos recasamentos, do surgimento de novas funções institucionais e pessoais, das mudanças nas relações de sexo e na participação da mulher no mercado de trabalho. Assim, a maior longevidade, o aumento do número de idosos e as mudanças na estrutura e nas funções da família refletem no cuidado ao idoso, que pode se tornar vítima de maus-tratos.

Os idosos, pela sua vulnerabilidade, vêm sofrendo violações de todos os tipos em seus direitos fundamentais. A Organização Mundial de Saúde define violência contra a pessoa idosa como qualquer ato, único ou repetitivo, ou omissão que ocorra em qualquer relação supostamente de confiança, que cause dano ou incômodo à pessoa idosa. Entre os vários tipos de violência, os abusos e maus-tratos podem ser de natureza física, emocional ou psicológica, financeira, sexual, abandono, negligência e autonegligência, podendo ocorrer fora ou dentro do domicílio da pessoa idosa. No Brasil, a conceituação e a classificação propostas pela OMS estão oficializadas no documento de Política Nacional de Redução de Acidentes e Violências do Ministério da Saúde.

Usualmente, a violência doméstica e intrafamiliar é subnotificada, e pesquisas feitas em várias partes do mundo revelam que cerca de dois terços dos agressores são filhos e cônjuges. Assim, em defesa do agressor (membro da família), o idoso omite e ainda justifica a agressão sofrida. Contribuem para isso: o choque de gerações que costuma se somar ao imaginário social, que considera a velhice como “decadência” e os idosos como “descartáveis”; o sentimento de menos valia; a dificuldade em expor as mazelas familiares e de tornar público o que é do mundo privado.

Tais questões mantêm o silêncio e a cumplicidade da violência, tornando a violência intrafamiliar um fenômeno desafiador para as políticas sociais, especialmente quando acontece em um contexto de envelhecimento populacional acelerado e intenso, marcado por forte desigualdade social, como é o caso do Brasil. Apesar de o vasto ordenamento legal presente na própria Constituição Federal, na Política Nacional do Idoso e no Estatuto do Idoso sobre a questão da violência contra a pessoa idosa faltam estruturas e recursos para promover seu efetivo enfrentamento.

Legalmente, no Brasil, o Estatuto do Idoso estabelece que os casos de suspeita ou confirmação de violência praticada contra idosos serão objeto de notificação compulsória, pelos serviços de saúde públicos e privados, à autoridade sanitária, bem como serão obrigatoriamente comunicados por eles a quaisquer dos seguintes órgãos: autoridade policial; Ministério Público; Conselho Municipal do Idoso; Conselho Estadual do Idoso; Conselho Nacional do Idoso.

Não bastasse tais fatos, a situação de distanciamento social que estamos vivendo pode ampliar a violência doméstica contra as pessoas idosas porque aumenta a convivência com seus familiares, isto porque, estatisticamente a maioria dos agressores de pessoas idosas são os filhos e netos, como dito acima.

Há também o fato de as pessoas idosas fazerem parte dos grupos mais suscetíveis ao desenvolvimento de quadros respiratórios graves que podem levar a resultados fatais ao se infectar com o novo coronavírus. Portanto, logo no início da pandemia, muitas Secretarias de Saúde do país emitiram nota informativa com recomendações de prevenção e controle de infecções a serem adotadas nas Instituições de Longa Permanência de Idosos (ILPI).

Mas com relação à convivência social, as restrições totais de visitas e atendimentos eletivos em instituições de idosos podem ser vividas como experiências muito violentas e de grande apartação social.

No caso do enfrentamento à violência, o período da pandemia não suspende nenhum direito a que são signatárias as pessoas idosas, por isso reforçamos a importância dos trechos do Estatuto do Idoso, uma vez que todos os direitos das pessoas idosas estão vigentes. Assim, durante a pandemia de coronavírus, os órgãos de atendimento ao idoso como delegacia, Ministério Público e Conselho do Idoso seguem funcionando, embora com algumas adaptações. Dentre as violências registradas com maior frequência foram violência física, violência autoprovocada, abandono/negligência e violência psicológica.

Na temática do enfrentamento a violência contra as pessoas idosas é importante a desmistificação da ideia de que alguns comportamentos em relação as pessoas idosas são normais. Podemos citar como exemplos: desvalorização – considerar a pessoa idosa inútil e um peso; tripudiar – achar graça das dificuldades que a pessoa idosa tem em realizar atividades de vida diária; apropriar-se de bens e dinheiro – considerar que o idoso não precisa de seu próprio dinheiro devendo fornecer o que recebe à família.

Hoje o envelhecimento é parte da agenda política internacional e nacional, mas precisa avançar muito como objeto de política pública. Assim, é preciso investir muito na competência dos familiares para abrigá-los com respeito e dignidade. Contudo, isso não é tarefa fácil, basta verificar o alto índice de violência intrafamiliar, cada vez mais evidenciado nesse período de pandemia pelo qual estamos passando.

O espaço familiar merece ser foco de atenção das políticas públicas, principalmente no que se refere à negligência, alto índice de violência detectado. Muitas vezes a família não sabe como cuidar ou ainda não quer cuidar de seus idosos. Necessário promover opções de cuidado diurno, evitando, assim, a institucionalização. A opção de criminalizar a negligência e o abandono familiar não resolve a falta de estruturas de apoio para cuidar da velhice com dependência.

No que diz respeito aos direitos das pessoas idosas, sua falta de empoderamento favorece que sejam vítimas de empréstimos consignados, do endividamento e de todas as outras formas de violência. É importante que se tornem protagonistas de suas próprias escolhas e deem limites às situações abusivas.