Republicado a pedidos: A PÉRFIDA ALBION

Confira a opinião do professor Gilberto Abreu

Gilberto Abreu, é professor e ex-vereador em Ribeirão - Foto: Divulgação

O Bispo francês, Jacques Bossuet, ainda no século XVII, foi, talvez, o primeiro a denominar a Inglaterra de traidora, inconfiável, a que profere uma coisa e faz outra, como se pudesse personificar um país, uma nação, o que não deixa de ser temerário… Ao final do século XVIII, o Marquês de Ximenes, gaulês de origem espanhola, cunhou, em um conhecido poema, a expressão “pérfida Albion”, imediatamente popularizada pelo seu maior inimigo histórico, Napoleão Bonaparte, que a utilizou um milhar de vezes em seus discursos.

Traições britânicas, mas, sobretudo, inglesas, povoam a História…

Qual foi a resposta dada pela “imaculada” Rainha Vitória a um pedido do Imperador da China que solicitava apoio militar para conter o tráfico de ópio que ali chegava em volumosos lotes vindos da Índia? Que o “British Empire” era favorável ao livre comércio e, afinal, o ópio não era tão prejudicial assim… Ao defender os traficantes o poder imperial britânico provocou uma das mais ignominiosas guerras, justamente a “do ópio” -1839-1842- que viria a desmantelar e a submeter a “velha China”.

A mais recente aconteceu ontem, no plebiscito que autoriza a saída do Reino Unido da União Europeia (tiraram o acento, outra grande ideia que também não leva mais acento…) Bah!

A maior construção política da História, construída tijolo por tijolo, desde a criação do BENELUX (união de Bélgica, Holanda e Luxemburgo) num projeto de reconstrução recíproco ao final da Segunda Grande Guerra; seguida da pertinência dos Ministros franceses, Jean Monet e Schumann, ao patrocinarem a criação da CECA – Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, pelo Tratado de Paris, em 1950. Reunindo a França, Alemanha, Itália e os três do BENELUX, selou uma colaboração mútua, responsável pela reconstrução continental. Foi uma resposta à poderosa influência norte-americana do Plano Marshal. Livrou a Europa de ser uma mera extensão dos Estados Unidos. A expressão “milagre econômico” surgiu aí, com o fantástico crescimento obtido pela Itália (revisite os filmes do neo-realismo italiano, sobretudo “Roma, Cidade Aberta”, de Roberto Rosselini.)

O Tratado de Roma (1957) criou o Mercado Comum Europeu, exemplo maior de cooperação, um espaço comum de livre circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capitais. Onde estava a Inglaterra? O Reino Unido? (A sua reunião com a Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte.) A uma oceânica distância. A dos Canais da Mancha e de São Jorge… Uns quarenta quilômetros, se tanto.

Vendo-se à margem solicitam insistentemente o ingresso na bem-sucedida união de países e, olhe que de mercados eles entendem… A cada pedido recebiam um sonoro “não” proferido, napoleonicamente, pelo Presidente Charles De Gaulle. Só o conseguiram em 1973, anos depois da morte do General… Foram admitidos ao lado da Irlanda (do Sul) e da Dinamarca. Mais de uma década mais tarde, também se agregam Portugal e Espanha, depois de se livrarem de ditaduras que os mantinham no atraso, a salazarista e a franquista.

O passo mais audacioso se deu em 1992, com o Tratado assinado na cidade holandesa de Maastricht, que selou a mais importante conquista da Humanidade, quando o Mercado Comum foi transformado em União Econômica, projetando, inclusive, a adoção de uma moeda única, o EURO, que seria implantada no final do milênio, como o foi no ano de 2000. Onde estavam os britânicos? Fora. Preferiu-se manter a sua moeda exclusiva, a Libra Esterlina, todo poderosa desde que lastreada com quase todo o ouro extraído do Brasil no século XVIII. 

As recentes crises, a econômica de 2008 e a humanitária dos refugiados que chegam em grande número nos últimos cinco anos, o projeto maior de uma federação europeia foi abortado. Talvez, sepultado de vez com a decisão plebiscitária de ontem, 23 de junho de 2016.

O fato pode reacender separatismos, exclusivismos, particularismos, já evidenciados na Espanha, França e noutros lugares. E mais, pode criar o Reino Desunido, uma vez que a Escócia não se renderá novamente aos ingleses. A derrota do plebiscito de sua separação se deu por conta de pretenderem continuar na Europa unida. Agora, não há nada mais que a impeça. Também eles não morrem de amores pelos ingleses… A Irlanda do Norte seguirá o mesmo caminho juntando-se à República da Irlanda, se o fanatismo religioso o permitir, na briga histórica entre católicos e protestantes. Também eles, com muito maiores razões, não morrem de amores pelos ingleses…

O que poderá advir? A volta de nacionalismos estúpidos. A vitória de líderes populistas e até racistas. Um novo fantasma ronda a Europa. Não é mais a ameaça do comunismo proferido por Marx. Líderes fascistas reencarnados. Novos Mussolinis, novos Hitleres, Salazares e Francos de péssima memória…

Tudo isso por conta de uma traição a uma generosa ideia de um mundo sem fronteiras.  Mais um débito, talvez o maior, a ser colocado na conta da “pérfida Albion”. Dos penhascos de Dover brotarão lágrimas. Que ao menos não sejam de sangue…

Perfídia! Os que vão morrer te saúdam!!!

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