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Política: instrumento ou fim em si mesma?

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A palavra política tem origem no grego. É a conjunção de “polis”, que designa o que é público, com “tikós”, que se refere ao bem comum das pessoas. O termo comporta ampla conceituação, uma vez que é utilizado no sentido público (política de governo, política partidária, etc) e no sentido privado (minha política de vida, a política da empresa, a atuação política do cidadão, etc).

Proponho uma reflexão sobre o “fazer política” no sentido público, num Estado Democrático e de Direito. Nesse sentido, teria a política o caráter instrumental ou seria ela um fim em si mesma?

Tratar do tema importa assinalar uma bifurcação: como deveria ser, e como é, na realidade.

Em nosso País, nas diversas esferas e instâncias de poder, é possível afirmar que a grande maioria daqueles que integram a classe política, no exercício de um mandato popular, e possui uma parcela de poder para gerir a Nação, os Estados Membros e os Municípios, enxerga na política um fim em si mesma. O poder do cargo que ocupam por designação popular, no Executivo ou no Legislativo é visto como poder próprio (do agente) e não como poder do cargo (que é público). Se passam a se achar intimamente poderosos, se apegam a esse poder e dele não querem se desgarrar em hipótese alguma.

Com isso, aqueles que foram escolhidos pelo povo para trabalhar em prol do bem comum passam a trabalhar para o próprio ego, para interesses próprios ou de terceiros. O ego determina que eles lutem com todas as forças, buscando o caminho do bem ou do mal, para se manter poderosos. Ai, da política descambam para a politicalha e como dizia Rui Barbosa: “Política e politicalha não se confundem, não se parecem, não se relacionam uma com a outra. Antes se negam, se excluem, se repulsam mutuamente. A política é a arte de gerir o Estado segundo princípios definidos, regras morais, leis escritas ou tradições respeitáveis. A politicalha é indústria de explorar o benefício de interesses pessoais”.

Assim é que para permanecer no poder, esses políticos que fazem da política “um fim em si mesma”, ou se quiserem, “um meio de vida”, prometem o que não podem fazer, mentem, enganam o povo, se aliam ao que há de pior em termos de mal caratismo e picaretagem e se envolvem com interesses escusos.

Não nos assustemos, Aristóteles, há mais de 300 anos antes de Cristo, já dizia que “a política não deveria ser a arte de dominar, mas sim de fazer justiça”. Infelizmente, de lá para cá pouca coisa mudou, e isso se justifica porque quem veste o fardão do político é o falível ser humano.

Então, a política como instrumento para a promoção da justiça e do bem comum ainda mora no plano do dever ser.

Isso não significa que na política não existam pessoas com o espírito público que se espera de alguém que exerce uma parcela do poder popular. Elas existem sim, e o grande desafio para a sociedade é o de conseguir manter na política essas pessoas que não foram dominadas pelo ego e pelo apego ao poder, e o de fazer com que elas se multipliquem.

Falo em desafio porque não é fácil para um político correto sobreviver numa selva povoada por raposas, cobras venenosas e escorpiões. Isso leva, inevitavelmente, à tendência de que o mal vença o bem e o bom mandatário se retire daquele espaço hostil a ele.

Seria esse cenário um beco sem saída? Creio que não. Muitas nações do mundo civilizado conseguiram equilibrar as coisas e desfrutar de bons governos. O fator a ser observado para se avaliar tais governos é o chamado IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, das Nações Unidas, que leva em conta a qualidade de vida da população, o acesso à educação, à saúde, ao trabalho, assim como a expectativa de vida dos habitantes. Os países mais ricos não são, necessariamente, os detentores das melhores pontuações no IDH. Noruega, Suíça, Austrália e Irlanda estão no topo da classificação, embora muito distantes de se considerar grandes potencias mundiais em termos de economia. No último ranking, o Brasil ocupou a 79ª posição, atrás de países como Albânia, Trindade e Tobago, Antígua e Geórgia.

Chegando mais próximos de nossa realidade, dentro do fraco desempenho do Brasil no ranking do IDH, Ribeirão Preto ocupa a 40ª posição no País.

Quais seriam, então, os caminhos para se fazer com que nossos políticos vejam a política como um instrumento para a promoção do bem comum, e não como um “fim em si mesma”, ou seja, o poder pelo poder? Acredito que uma das chaves para a busca da evolução é a mudança. Mudança na nossa forma de encarar a política como um fenômeno do qual devemos participar apenas no momento da escolha de nossos representantes no Executivo e Legislativo. O eleitor é o grande regulador da qualidade dos políticos, desde que fique atento, durante todo o mandato eletivo, à postura daqueles que foram eleitos (seu comportamento pós-campanha, o cumprimento de promessas, a transparência de seus atos frente aos cidadãos, suas alianças, etc). Políticos que não atendem a expectativa dos eleitores não podem ser reeleitos.

A participação política do cidadão deve ser exercida 365 dias por ano. Já dizia Platão que “o preço a pagar pela tua não participação na política é seres governado por quem é inferior”. Participar significa se informar (em fontes confiáveis e não em fakes das redes sociais), discutir, propor e cobrar.

Entendo também decisivo para que tenhamos uma classe política mais qualificada, que pessoas vocacionadas para a causa pública, preparadas para o enfrentamento das demandas populares, coloquem seus nomes para disputar os pleitos eleitorais.

Hoje, a tendência é a de que os despreparados e mal intencionados desestimulem pessoas de bem e preparadas a ingressar na política, e diante disso, o terreno político, tanto no Executivo como no Legislativo, acaba povoado por aqueles que veem a política como “um fim em si mesma”. Essa situação só mudará quando bons políticos, que enxergam o mandato como instrumento para a promoção do bem comum, estiverem em grande maioria nos cargos eletivos.

As últimas eleições realizadas no País apresentaram um expressivo número de abstenção de eleitores. Esse fato pode ser diagnosticado como desencanto com a politica. Isso é compreensível, mas em nada contribui para a mudança.

Paulo Freire dizia que “num País como o Brasil, manter a esperança viva é em si um ato revolucionário”. Então, se considerarmos que a desesperança provoca um grande vazio na vida das pessoas, não podemos perdê-la, e para isso é imprescindível mudança de atitude.