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Meu amigo River Phoenix

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Meu amigo River Phoenix

Essa semana a banda de funk rock Red Hot Chilli Peppers anunciou que seu clássico guitarrista John Frusciante está de volta ao grupo, depois de sair pela segunda vez – a primeira no começo dos anos 90, quando após lançarem a obra-prima Blood Sugar Sex Magick, Frusciante, muito mais jovem que seus calejados companheiros e na verdade ex-tiete da banda, afundou-se com força nas drogas. Conta a história que teria sido encontrado anos depois, já totalmente banguela, no que foi reabilitado e pode então voltar à banda mais californiana do mundo, que lançou então, em 1999, sua segunda obra-prima, Californication.

Os sete anos que se seguiram foram os mais produtivos do grupo: lançaram o excelente By The Way em 2002 e, em 2006, o duplo Stadium Arcadium, meu favorito e o último com Frusciante antes dele sair de novo no ano seguinte. É verdade que são todos esses álbuns, produzidos por Rick Rubin, bem barulhentos. Rubin, certamente o maior produtor de rock dos últimos 25 anos, de fato perdeu-se um pouco no começo da década passada, produzindo álbuns cada vez mais altos, cujo pináculo foi o emblemático Death Magnetic, lançado pelo Metallica em 2009, se calhar o álbum mais alto e praticamente inaudível da música popular recente.

Porém, diferente do Metallica e de outra banda produzida por Rubin, o U2, o Red Hot Chilli Peppers conseguiu manter uma identidade musical muito mais autêntica, enquanto seus pares tornaram-se corporações vazias – artisticamente falidas e custando a fazer álbuns que são amálgamas de um número de versões de canções que fizeram em seus tempos áureos. Na verdade, arrisco dizer que por qualquer razão que for, com a possível exceção do Radiohead, nenhuma banda dos anos 80 e 90 envelheceu tão bem quanto o Red Hot Chilli Peppers. O Pearl Jam vez ou outra faz uma ou duas música decentes, mas já faz muito tempo que não lançam um álbum em que você pode simplesmente dar play e ouvir inteiro.

Frusciante tem o toque mágico como compositor e guitarrista; Flea é um dos baixistas mais identificáveis do mundo; Anthony Kiedis tem um estilo vocal que não exige tanto, e ele se parece mais com sua versão de 1991 do que qualquer outro cantor; Chad Smith parece o Will Ferrell e seu groove encaixa perfeitamente com o baixo de Flea e a guitarra de John. Eles são a verdadeira banda californiana, e com o segundo retorno de Frusciante eles estão, mais uma banda, de volta. Third is the charm!

Imaginei, ingenuamente, que a notícia iria agradar a todos os fãs de rock n’ roll, até que entro num fórum gringo e deparo-me com uma série de mensagens acusando John Frusciante de ser um assassino! Meu Deus! Que devia estar no mínimo preso! O motivo seria ser o responsável pela morte de seu melhor amigo River Phoenix. Bom.

Evidentemente, fui pesquisar, vou contar a história como se parece, e tirem vocês suas conclusões, mas antes deixa eu relembrar a história oficial: River Phoenix teve uma overdose de speedball, uma mistura bastante popular na época que consistia numa mescla de heroína e cocaína, geralmente inalada ou injetada. É isto. Assim, fica parecendo apenas mais uma morte normal de celebridade, mais uma overdose sem vergonha, mais um suicídio, como gostam de chamar esses casos. Mas não foi nada disso que aconteceu, e é por isso que a morte de River Phoenix foi tão traumática para Hollywood. Vamos à conspiração.

Los Angeles, 1993: o Red Hot Chilli Peppers estava ainda surfando no tsunami que foi Blood Sugar Sex Magick e River Phoenix era uma das maiores promessas Hollywood, ator muito talentoso e dono de um rosto angelical. Vivendo juntos em Los Angeles, ambos com 23 anos, John Frusciante e River Phoenix passam seus dias na capital californiana fazendo o que eu mais gostaria de fazer, tocando por aí de casa em casa, escrevendo roteiros, fumando maconha na praia, planejando filmes, colaborações musicais e todo outro tipo de projeto que as mentes sonhadoras são capazes de conceber quando trabalham juntas. O detalhe é que, apesar de terem a mesma idade, enquanto River era um jovem curioso e que usava uma droga aqui e acolá, John era um verdadeiro junkie, afinal enquanto um dos amigos era ator, o outro era de fato um rockstar.

River frequentava, inclusive, a casa de ensaios do Red Hot Chilli Peppers, onde costumava tocar com a banda, numa atividade que vinha tornando-se rotineira. Tocava com muita gente na verdade, era muito querida sua presença, sua boa vontade, sua doçura, era naquele ano de 1993 uma das personalidades mais estimadas nos círculos fechados das celebridades californianas; todos queriam que River Phoenix viesse ao seu rolê. Eis que chega o dias das bruxas, e em 31 de outubro de 1993, haveria uma festa exclusivíssima na boate do Johnny Depp, o The Viper Room, uma das mais badaladas casas noturnas de Los Angeles, e Flea, baixista do Red Hot, era o responsável pela música ao vivo.

Não ia tocar banda alguma em específico, pelo que parece – a noite seria composta por uma série de jams e participações, numa porta giratória de músicos, pela qual River planejava atravessar e dividir o palco com os roqueiros profissionais. Porém, dada certa hora da noite, Flea, preocupado com a qualidade da performance, vira para River e diz que ele não vai poder tocar. Está muito chapado, muito bêbado, não vai ter condições, estamos entre amigos mas isto é um show profissional. Cabisbaixo, River passa a vagar a esmo pela boate, no martírio da autossabotagem. Eis que surge então seu melhor amigo, John Frusciante, com uma bebida na mão, como fazem os amigos nessas horas: “Beba isto Riv, você vai se sentir fabuloso.”

Seriam essas as palavras proferidas, “Beba isto Riv, você vai se sentir fabuloso”. Tendo internado John na reabilitação duas vezes, imagino que Phoenix sabia que aquilo ali não era indian pale ale, mas suspeito que a coisa não tenha sido devidamente comunicada. Especula-se hoje que o coquetel, no qual havia uma dose 8x letal de speedball, a quantidade encontrada no corpo do ator após a autópsia, havia sido elaborada para ser passada de mão em mão. River bebeu o copo inteiro.

De manhã, foi encontrado convulsionando na porta da boate. Chamaram a ambulância, no que Flea acompanhou-o até o hospital, mas já era tarde demais. A notícia chocou a todos: como é possível? Ele, um anjo, um adicto? A verdade é que autópsia revelou que não havia qualquer machucado nas veias do ator, nem havia qualquer perturbação em suas narinas, sequer havia formação de mucosa, como seria de se esperar com um cheirador de pó. Não só, seus órgãos revelavam pertencerem a um homem saudável, muito longe do que se esperaria de alguém com tamanha overdose.

Não estiveram presentes no velório duas pessoas em especial: John Frusciante e Johnny Depp. O guitarrista do Red Hot Chilli Peppers teria se trancafiado na casa de ensaios da banda, para onde teria ido cometer suicídio. Depp esteve ausente justamente por ir até o local tentar impedir que a tragédia ficasse ainda mais grave. Fechou o Viper Room por duas semanas, e depois sumiu de Los Angeles por um ano. O ator Keanu Reeves, também presente na festa, entrou então numa profunda crise depressiva. Percebo também que é este o momento em que John Frusciante deixa a banda, o momento em que se afunda de vez nas drogas para então ser encontrados anos depois. Nunca se menciona a história do dia das bruxas de 93 no Viper Room – Frusciante afundou-se nas drogas porque simplesmente é isso que fazem os roqueiros quando deparam-se com tamanha fama e fortuna.

Pois bem. Quem matou River Phoenix?

Um monte de gente matou River Phoenix, ora, e ao mesmo tempo ninguém. É a definição perfeita de tragédia, e é mesmo inconcebível que o rapaz tenha vagado a madrugada toda pela festa sem ninguém, nem uma mísera alma dentre os convidados ter checado seu estado. Pior! Há relatos até de que River teria dito que achava que estava tendo uma overdose, mas todo mundo ali é profissional nisso e sabe que ninguém diz que está tendo uma overdose, a pessoa simplesmente tem e aí morre. Pois bem. Ter ingerido a droga ao invés de injetá-la ou inalá-la como geralmente se faz com essas fez com que a substância fosse metabolizada muito mais lentamente pelo seu corpo, de forma que provavelmente achou que poderia controlar, até que bateu tudo de uma vez.

Até mesmo familiares de River estavam presentes na festa! Seu irmão Joaquin e sua irmã Rain estavam lá durante o rolê todo, mas só foram perceber o estado do irmão quando foi encontrado na calçada, já não adiantava Joaquin ter chamado a ambulância. Mataram, mataram o homem, o ator tão querido, ó tão bonzinho, praticamente um menino que todos queriam cuidar e ter por perto, nossa, o anjo de Hollywood, tão doce quanto morto. Mas, também, quem em sã consciência não confia nem no melhor amigo? Não é de se espantar que as pessoas envolvidas tenham tido futuros tão problemáticos, e realmente é de se pensar, como conviver com isso? Principalmente quem sabia ali que esse era um erro tão à toa, notadamente os junkies da turma.

É importante lembrar que isso é tudo, de certa forma, teoria da conspiração, ainda que existam dezenas de testemunhas e relatos que corroborem a história. Ninguém jamais foi acusado de crime nenhum, e hoje mesmo lendo uma matéria no Globo sobre a “inacreditável biografia de John Frusciante”, ao falar da fase mais vida-loka do guitarrista o texto menciona como ele era, nessa época, amigo até mesmo do ator River Phoenix, morto numa das overdoses mais épicas da história de Hollywood, quando, talvez, a comparação devia ir na via contrária.

Enfim, é bastante notável o ar melancólico que sai dos olhos de John Frusciante, a qualquer momento; é de partir o coração, e acho que eu finalmente entendi. Depois de tudo isso, contudo, o homem está aí, é provavelmente um dos maiores guitarristas em atividade. Não, eu não acho que John Frusciante devia ser preso, pois isso de nada serviria. Não há inferno maior que a culpa, e tempo nenhum na cadeia poderia doer mais do que viver o resto de seus dias com uma consciência dessas… Tão fácil de evitar… Tão rápido.

John Frusciante, que não era o melhor amigo de River Phoenix à toa, pois supostamente partilhava também da mesma simpatia e ingenuidade jovial, no que seguia o Red Hot Chilli Peppers desde que era praticamente uma criança, com seus 15 anos de idade, tendo sido contratado logo com 18, tem que acordar todos os dias e se lembrar que grosso modo, junto com outro bando de irresponsáveis, matou seu melhor amigo, mas pelo menos, ou se calhar também por isso, ele compõe das mais belas canções possíveis com uma guitarra. É isso, o que resta. Todo o resto é, infelizmente, por mais que doa admitir, e dói mesmo, sentenças de justiças cegas. Meu amigo John Frusciante é sempre bem-vindo.

Vem aí, provavelmente, um dos melhores álbuns de rock da década.