Home Notícias Cotidiano Uma fresta de luz no porão da sociedade: a reafirmação do jornalismo e da liberdade

Uma fresta de luz no porão da sociedade: a reafirmação do jornalismo e da liberdade

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“No meio do horror da guerra, quando uma câmera abre suas lentes, ela lança uma fresta de luz nesse mundo escondido pelo próprio mundo.” A frase é uma das incontáveis pérolas contidas no livro “Uma fresta de luz no porão da sociedade”, do fotojornalista ribeirão-pretano Joel Silva, que narra suas experiências como correspondente fotográfico por mais de vinte anos em locais como o acampamento das Farc, o Oriente Médio na Guerra da Síria e na revolta da primavera Árabe na Líbia, além do massacre no Cairo, capital do Egito, Golpe Militar em Honduras, ocupação do exército no Morro do Alemão e campos de refugiados na África. Premiado até pela ONU, nosso conterrâneo não passa pelas histórias do livro como um narrador impessoal, que apresenta incólume um jornal frio e distante das tragédias ali narradas. Muito pelo contrário. Depois de grandes coberturas e alguns encontros tensos com a morte, Joel deixa os cliques da câmera em segundo plano para depositar nas palavras as emoções que só quem conheceu a guerra de perto poderia descrever.

As histórias trazem à tona realidades tão absurdas que o leitor pensa estar em mais uma jornada do herói em alguma série nova muito bem roteirizada, mas a cada momento de tensão nos quais o próprio autor viu-se em circunstâncias que poderiam culminar em seu fim, dividimos com ele o choque e a “clarividência da morte”, citada por ele. “Dizem que, quando estamos às portas da morte, podemos ver nossa vida claramente”, afirma o repórter fotográfico no trecho em que se dá conta, alertado por um jovem egípcio durante a cobertura do massacre no Cairo, em 2013, de que estava sangrando pois havia acabado de levar um tiro na cabeça. Um tiro de raspão que sangrou por dias.

https://youtu.be/r9143_6JdYo

Crianças felizes nadando na piscina do chefe do morro recém morto pelo exército na ocupação do Morro do Alemão, o contato com o guerrilheiro Felipe, das Farc, que entrou na guerrilha por vingança depois de ter o pai assassinado em casa por forças militares e acabou morto dias depois da última foto feita por Joel, a explosão de uma bomba a poucos metros dos jornalistas, o assassinato da equipe de reportagem da Al-Jazeera, logo atrás, numa fuga da Líbia quando a imprensa foi perseguida pelo ditador Muammar Gaddafi, enfim, essas e tantas outras cenas em sequência fazem do livro um thriller envolvente e, mais do que isso, muito reflexivo. Daria um filme! E, a cada cena, você se envolve com os personagens reais, como o autor se envolveu, como se fossem íntimos, pois não se enfrenta perigos juntos sem desenvolver um laço de amizade.

https://youtu.be/W_9dkzrwTQY

Todas as aventuras e desventuras narradas com maestria trazem à tona, num momento em que a estrutura do jornalismo é abalada por fake news e campanhas detratoras de autoridades públicas, a relevância do jornalismo para elucidar as profundezas mais obscuras da sociedade. O compromisso com os fatos e sua exposição num trabalho sério é ofício necessário para a existência da liberdade. O jornalismo é a defesa pessoal do cidadão contra toda e qualquer injustiça seja ela proveniente de outro cidadão ou do próprio Estado. Claro que existe a falha, o excesso, a escassez, assim como em qualquer atividade humana, mas, sem ao menos uma fresta de luz, os porões tornam-se ambientes inabitáveis enquanto que, a cada facho que irrompe de uma fenda, a escuridão recua, para o nosso bem.

https://youtu.be/0tOA8nA35uc

Encerro com uma citação, do último trecho do livro, que diz que “a história não termina com a idosa caminhando de cabeça baixa após ver o sangue escorrer do corpo do neto. Nem na carta de agradecimento de uma mãe que perdeu o filho. Ou com o sorriso de crianças brincando na piscina. Muito menos com a morte de um amigo nos campos de batalha. (…) Há tantas e tantas histórias não terminadas nas entrelinhas de um livro, nos detalhes de uma fotografia… Ainda há muito a ser contado depois do último click. E do último ponto final.” 

Você encontra o livro disponível nos sites das principais livrarias.