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“Foi apenas um mal entendido”, afirma mulher agredida pelo companheiro

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“Foi apenas um mal entendido”, afirma mulher agredida pelo companheiro

Na madrugada do último sábado 29 de junho, Antônia Silva* foi agredida pelo companheiro Pedro José*, no bairro João Rossi em Ribeirão Preto.  Quando os policiais chegaram ao apartamento do casal, encontraram Antônia já na escada aos prantos, com rosto e olhos inchados. Muito abalada, afirmou não aguentar mais sofrer com a violência rotineira.

A PM recebeu uma denúncia anônima, provavelmente de algum vizinho que percebia as constantes agressões.
Pedro saiu do apartamento e foi ao encontro dos policiais. Estava cheirando à bebida alcoólica e muito irritado afirmou que não a agrediu, mas que foi agredido com mordidas e arranhões.

Antônia pediu para ir a delegacia fazer uma denúncia com base na lei Maria da Penha. Chegando lá, autorizou que fotos fossem tiradas para registrar as marcas da agressão. Em seguida voltou atrás. Disse que não tinha interesse em se separar do companheiro, que não faria a denúncia e que tudo não passou de um mal entendido em função da depressão que acomete Pedro.

Esta é a história que consta num B.O que recebemos na redação do Grupo Thathi. Os nomes são fictícios, para preservar os envolvidos.

A leitura me estimulou a pesquisar sobre os casos de violência doméstica e a pesquisa me levou a números impressionantes, como os da pesquisa feita em fevereiro deste ano, pelo Datafolha –  encomendada pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) – que  mostra que Antônia faz parte das 1,6 milhão de mulheres espancadas em 12 meses, no Brasil.
42 % dos casos aconteceram em ambiente doméstico. Outro dado mostra que o comportamento dela é o mais comum: após sofrer uma violência, mais da metade das mulheres (52%) não denunciou o agressor.

São muitos os casos, são poucas as denúncias e aí entra um questionamento: De onde vem esse medo?

Arrisco dizer que está na falta do reconhecimento social da gravidade destes atos. Acredito que o silêncio, a conivência com esse tipo de crime, esteja enraizado nas questões históricas e culturais que acabam gerando e mantendo as desigualdades entre homens e mulheres.

Questões financeiras, alcoolismo e o uso de drogas, podem ser fatores exacerbadores, mas é o machismo o fator preponderante.

As justificativas mais usadas pelos agressores são: “ela não fez a janta”, “não voltou pra casa na hora marcada”, “usava uma saia muito curta”, numa nítida demonstração de que veem as mulheres como objeto, como propriedade.

O despreparo do agente de segurança que recebe a denúncia, também é apontado como um desestimulador. A mulher acaba, em muitos casos, humilhada, desacreditada, apontada como a causadora da agressão. Muitos agentes tentam fazer com que a mulher desista da denúncia com frases como: “Não vai adiantar nada. Ele vai perder o emprego, você vai acabar com a vida dele. Ele vai preso, mas vai sair ainda mais bravo com você.”.

O vínculo emocional e financeiro que une vítima e agressor também é um motivo para “deixar pra lá” a violência sofrida.

Uma pesquisa realizada em 2014 pelo Ipea, mostra de forma clara como pensa a sociedade brasileira.

63% das pessoas entrevistadas afirmam que, em casos de violência dentro de casa, o assunto deva ser discutido apenas entre os membros da família.

89% acham que “ roupa suja se lava em casa”, enquanto 82% consideram que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.

Quando lemos notícias de violência contra a mulher, seja de uma agressão como a da Antônia, ou algo mais grave como a da empresária Elaine Caparróz e principalmente nos casos de morte, nos perguntamos o porquê desta mulher não ter denunciado ou não ter se separado. Agora, vamos pensar juntos:
Como poderia uma vítima fugir de uma situação de violência se a família, os amigos, a sociedade, “não se metem” na situação? Como entender que tem outra opção, sem suporte psicológico e sem meios imediatos para viver uma vida independente?

São inúmeros os casos em que, continuar na relação doentia é a única alternativa que a mulher tem para poder comer, se vestir e morar sob um teto – Sim, continuar! Mesmo que esteja sofrendo de forma cruel.

A mulher que “perdoa” o homem que a violenta e insiste no relacionamento, como no caso da  Antônia, tem por  detrás uma sociedade que ensina e insiste em afirmar que as mulheres devem tolerar o comportamento agressivo dos companheiros e que se elas se dedicarem eles podem mudar,  colocando ainda mais responsabilidade e culpa na vítima.

Pedro José saiu impune. Não foi denunciado, não foi fichado, não sofreu consequência alguma pelos seus atos. O vizinho que supostamente chamou a polícia, provavelmente não o fará novamente. Antônia tem grande probabilidade de continuar sofrendo com as agressões – ela mesma afirmou não ter sido  a primeira vez – engrossando as estatísticas.

E o que nós podemos fazer? Acredito que devamos ter o compromisso de identificar, esclarecer,  conscientizar,  combater  e eliminar comportamentos machistas do nosso cotidiano. Não será apontando o dedo para a vítima, colocando nela a responsabilidade, a culpa, que conseguiremos mudar essa realidade.

Convido você a não se calar diante do machismo no dia-a-dia. É ele que está por trás de todos os casos de violência contra a mulher!