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Era uma vez uma empresa chamada Transerp

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“É constitucional a delegação do poder de polícia, por meio de lei, a pessoas jurídicas de direito privado
integrantes da Administração Pública indireta de capital social majoritariamente público que prestem
exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial.” (Ministro
Fux – voto 4936616 / RE 633782)

Chega ao fim a novela política mais assistida em Ribeirão Preto nos últimos 8 anos e que, desde o
primeiro capítulo, deixava no ar a seguinte pergunta: a Transerp – empresa pública criada no regime
de economia mista/sociedade anônima – tem poder para fiscalizar e punir as questões que envolvem o
direito de trânsito?

Ao longo desses anos, foram várias as decisões (judiciais). SIM e NÃO se alternaram no Tribunal
paulista ainda que, no ano de 2010 – portanto 2 anos antes da Transerp ser acusada de incompetente,
para as questões do trânsito – uma entidade de trânsito do Estado de Minas Gerais, a empresa BH
Trans, levou a controvérsia para o Supremo Tribunal Federal – intérprete da Constituição Federal de
1988 – discutindo a constitucionalidade de sua atuação, pois a BH Trans foi criada exclusivamente para
gerenciar e fiscalizar o trânsito na capital mineira – “BH”.

Antes de socorrer para o STF, a BH Trans recebeu a decisão do Superior Tribunal de Justiça – interprete
das Leis Federais – sobre o alcance de suas atribuições segundo dispõe a legislação de trânsito sendo
que, neste caso, recebeu a permissão para fiscalizar e registrar/lavrar o auto de infração, mas sem
poder para impor as penalidades de multa e pontos no prontuário dos infratores.

Premida pela necessidade de continuar fiscalizando e impondo as penalidades previstas para os
infratores da legislação de trânsito, em maio/2018, a empresa Transerp ingressou na demanda agora
julgada pelo STF, porém como terceira parte, auxiliar da Suprema Corte, através da figura processual
denominada amicus curiae, que permite fornecer subsídios técnicos e jurídicos para que a causa fosse
julgada da forma mais abrangente possível.

Ao contrário do BH-Trans, que é parte ativa do processo, a decisão não serve de imediato para a
Transerp ainda que tenha sido dada em razão da repercussão geral, ou seja, o resultado do que foi
discutido entre o Ministério Publico de Minas Gerais e a BHTrans transcende o direito das partes do
processo para que todas entidades de trânsito do Brasil, em igual condição jurídica, recebam o mesmo
entendimento caso seus processos chegarem ao Supremo Tribunal Federal. Significa dizer que os Juízes
de primeira e segunda instância e do Tribunal de Justiça de São Paulo não estão obrigados à seguir o
entendimento do Supremo Tribunal Federal.

Na prática, após o processo no STF transitar em julgado – não mais estar sujeito à recursos – todo
proprietário de veículo que insistir numa demanda judicial, com base na mesma premissa da
competência que agora foi julgada como possível, poderá estar condenado ao insucesso. Todavia, a
decisão encabeçada pelo Ministro Fux traz uma ressalva importante e que, no caso da Transerp,
possibilita afastar novamente a empresa das questões do trânsito. Vejamos:

“O direito administrativo contemporâneo brasileiro reclama constante revisitação aos paradigmas
impostos e repetidos pelos Tribunais. A ciência jurídica é dinâmica e repleta de intercessões, de modo
que, raramente, uma afirmação genérica se mantém incólume frente a todas as possibilidades da
realidade. Por isso, é indispensável a contemporização e submissão de tais paradigmas aos fenômenos
jurídicos que se apresentam na efetiva aplicação das normas jurídicas. (RE 633782 – voto / pagina 22)”

“O enfoque deve ser outro. Os mecanismos de exercício e controle dos poderes administrativos, em
especial, do poder de polícia, devem garantir, por meio de um sistema efetivo, a proteção adequada
dos cidadãos frente a eventuais excessos praticados pelas pessoas investidas daqueles poderes (RE
633782 – voto / pagina 35)”

O desgaste acumulado ao longo de 8 anos de incertezas somado ao passivo financeiro pelo que não
arrecadou (multas) e ao descaso político do Executivo e da Câmara Municipal, que não resolveram, em
definitivo, a questão da competência, agora permite questionar a segurança do trânsito para os
transeuntes, bem como a regularidade para o caixa do Município já que a saúde financeira da Transerp
é apontada como irregular, pelo Tribunal de Contas do Estado, há mais de 15 anos.

Sem aprofundar numa questão eminentemente jurídica, a decisão do STF sedimenta a possibilidade de
uma empresa de economia mista fiscalizar e impor penalidades mediante o atendimento das demais
regras Constitucionais e legais vigentes. Nesse aspecto, então, a Transerp não pode mais atuar como
fiscal das regras de trânsito em Ribeirão Preto. Por quê?

Em primeiro, a Lei de constituição da Transerp e todas alterações legislativas promovidas, inclusive a
Lei Complementar 998/2000, que incluiu no rol de atribuições da empresa as atividades necessárias
para ela ser considerada uma entidade executiva de trânsito, não excluiu as atribuições da Transerp
S/A, empresa originalmente constituída para atuar no transporte público, diretamente, o que a
permite concorrer no mercado privado com outras empresas do gênero. Ilustrando para melhor
entender: a Transerp já atuou diretamente no transporte público, na época do Trólebus, e seu estatuto
permite inclusive a criação de sucursais e filiais por todo país ou ainda atuar no transporte
local/regional, de forma exclusiva ou em concurso com outra(s) empresa(s).

No mesmo sentido, antes devendo submissão ao Departamento de Serviços de Trânsito – DST (Decreto
042/1980, artigo 30) quem hoje exerce a necessária autotutela, que possibilita a Administração Direta
acompanhar os atos de sua empresa pública? Qual secretaria hoje é responsável e exerce a fiscalização
interna corporis da empresa pública Transerp?

Só nesse aspecto – e diferente da BH Trans – a Transerp está fora das regras basilares tratadas pelos
Ministros do STF em suas decisões, tantos os sete prós como os dois contras.

Em segundo – e que interessa de verdade para nós, Munícipes – a Lei de Trânsito, em seu artigo 1º, §
1º ao § 5º, traz o sentido e o alcance da atuação dos órgãos e entidades de trânsito – Federais até as
Municipais – e por consequência do que dispõe a Constituição Federal/88, artigo 37, que cuida dos
princípios da administração pública e do artigo 144, § 10, incisos I e II, que cuida da segurança do
trânsito – aspecto objetivo e sindicável pela Justiça, a olho nu!

Ora, com um efetivo total de menos de 50 agentes de trânsito, com radares “móveis” mantidos para
não investir nos fixos conforme exige a Lei de Trânsito e Resoluções do CONTRAN, adicionado ao fato
de que a Transerp não fiscaliza e pune, segundo a legislação de trânsito, as infrações do transporte
público que ela concede e permite para terceiros dos quais depende de verba contratual, à exemplo da
quantia que hoje não recebe do Consórcio Pro Urbano, somado a outras atribuições que não exerce ou
exerce de forma deficitária leva à inarredável conclusão de que, afastar a Transerp das questões do
trânsito, chega ser uma necessidade pública.

Fiscalizar e punir, de forma justa e correta, é o papel devido e exclusivo do Poder Público, por meio de
seus diversos órgãos. No trânsito, isso é essencial e não pode faltar. Porém, no caso da Transerp, a
propalada indústria de multas não é uma fala sem nexo e de quem não cumpre ou não quer cumprir
regras de trânsito. A regra essencial da fiscalização é orientar, educar para só depois punir. E isso
funciona em países desenvolvidos e com populações muito maiores que a nossa.

A estrutura atual da Transerp – política e institucional – só permite a “multa pela multa”, em prejuízo
dos munícipes, funcionários e Agentes de Trânsito, estes expostos à toda irresignação popular também
por conta do “armário para muitos cabides” de apadrinhados políticos, ao longo dos anos.

Com a decisão do STF, favorável ao poder de polícia administrativa pelas empresas públicas, mesmo
sociedades de economia mista, à exemplo da Transperp, Ribeirão Preto escapa temporariamente de
um enorme prejuízo para o caixa Municipal, já que a discussão relativa à competência material das
sociedades de economia mista foi pacificada, ainda que por maioria e não por unanimidade.

Por outro lado, emerge agora dois questionamentos mais eficazes e benéficos para a população:
existindo a competência material, para as sociedades de economia mista, a Transerp atende os
requisitos objetivos que permite ela continuar atuando?

Além disso, para atuar nas questões do trânsito, agora a Transerp precisa comprovar competência
administrativa e de gestão, situação que implica fazer o que nunca fez, ser o que nunca foi e
desvincular da fiscalização não exercida em relação ao transporte público que, neste período de
pandemia, revelou quem manda e quem obedece, de verdade, no serviço prestado.

Ainda há tempo para a atual administração corrigir a aberração política e jurídica herdada e mantida
por conveniências nada republicanas, e assim permitir que os Vereadores e Prefeito, eleitos para a
legislatura 2021-2024, cuidem do transporte e trânsito que queremos, precisamos e merecemos,
escrevendo assim uma nova e quem sabe exitosa história do trânsito e transporte local.

A tese prolatada pelo Ministro Fux, hoje Presidente da mais alta Corte Judicial do Brasil, pode ter
resolvido um dos maiores problemas contemporâneos de Ribeirão Preto mesmo que a administração
atual interprete ter recebido uma decisão favorável que, de fato e de direito, não recebeu.
Em outras palavras, na essência, a decisão do STF deveria ser lida pelo Palácio do Rio Branco como “Era
uma vez uma empresa chamada Transerp”.