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Bolsonaro e o Barão de Itararé

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Bolsonaro e o Barão de Itararé
Sérgio Degrande é jornalista, radialista e professor

Os tempos estão difíceis. Ouço isso quase todos os dias, aliás, venho ouvindo isso há muito tempo. Depois de tanta baixaria no campo político brasileiro, algo me incomoda muito: a surpresa de grande parte das pessoas com as atitudes e ações do Presidente Bolsonaro. Quanta falta de sensibilidade. Bolsonaro é, sem dúvida, o mais coerente de todos os políticos brasileiros, por uma única e definitiva razão: ele interpreta ele mesmo. Algum dia alguém poderia esperar do Presidente alguma coisa além do que ele diz e faz? As atitudes de Bolsonaro me carregam a um dos maiores expoentes do jornalismo brasileiro, Apparício Fernando de Brinkerrholf Torelly, mais conhecido por Barão de Itararé.

Como hoje estou saudosista, vou refletir em frases lapidais do grande jornalista. A começar pela mais famosa delas: “De onde nada se espera, daí é que não sai nada”. Nenhum pensamento filosófico é tão preciso, no caso de Bolsonaro, quanto esse. Já tive o prazer de discorrer sobre ele em outras crônicas, mantenho o que digo. Toda família tem um Bolsonaro de plantão. Ele é o tiozão do churrasco, que fala alto, não tem compostura e interfere na intimidade de cada um. Suas ideias são risíveis, faltam-lhes conteúdo, são carregadas de preconceitos, violência e falta de inteligência. É o tio que adora os filhos, sem ter a mínima capacidade de pesar defeitos. A palavra discernimento não faz parte do seu dicionário, aliás, ele nem sequer sabe o significado. O problema é que esse tio, muitas vezes, se intromete na conduta da casa alheia. Começa então a terceira guerra mundial.

Imaginem essa figura na Presidência da República. É o mesmo que um macaco numa loja de louças. Volto ao Barão de Itararé na frase: “O mal do governo não é a falta de persistência, mas a persistência na falta”. Passa pela cabeça de alguém produzir desastres políticos em plena crise de saúde, vivida por todos os países do mundo? Dentro da lógica, a resposta seria não, mas lógica é o que passa longe de Bolsonaro.

Se o Ministro da Saúde espelha-se na ciência para conduzir as atitudes de enfrentamento da pandemia, melhor é tirar o Ministro. Por que acreditar na ciência, principalmente quando se acredita que a terra é plana? Brigar com o Ministro da Justiça, considerado paladino da luta contra a corrupção no Brasil, quando vê ameaçada a própria matilha, navalhando o conceito de ética? Essa atitude me faz lembrar dos versos da música “o meu guri”, do Chico Buarque, aliás comunista de carteirinha do gueto francês do Leblon: “ chega no morro com carregamento/ pulseira, cimento, relógio, pneu gravador/ rezo até ele chegar cá no alto/ Essa onda de assalto tá um horror/ eu consolo ele, ele me consola/ Boto ele no colo pra ele me ninar”.

Eu pergunto, existe pai melhor? Eu me lembro de uma frase estampada num muro, no final da Avenida 9 de julho, bem no auge da ditadura: “comam merda, bilhões de moscas não podem estar enganadas”. 57 milhões de brasileiros não estão enganados. Volto ao Barão de Itararé: “Pra esse mundo ficar bom, é preciso fazer outro”.