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Avareza, um pecado capital dos acumuladores materiais!

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Avareza, um pecado capital dos acumuladores materiais!
Sérgio Kodato (à esq) e Luiz Eblak

A avareza é um tirano bem cruel; manda juntar e proíbe o uso daquilo que se junta. Até visita o desejo e interdiz o gozo. A sentença é de Plutarco, o historiador grego do primeiro século da nossa era que circulou nos mundos romano e egípcio.

De acordo com Aristóteles, outro grego, “os avarentos amealham como se fossem viver para sempre, os pródigos dissipam, como se fossem morrer”.

Pão-duro, avarento, forreta e sovina. Estes são alguns dos termos que se referem àquele indivíduo que é extremamente apegado ao dinheiro, à aparência e aos bens materiais, em detrimento da essência das coisas, dos bens culturais, estéticos e espirituais.

É o apego excessivo, desmedido e descontrolado pela acumulação de riquezas, priorizando a ganância e deixando de lado as artes, a cultura, as emoções e o sentido pleno da existência.

Entramos aqui no quinto capítulo desta nossa santa série pecados capitais. Aqui, falamos de um pecado tolo, supérfluo e, ao mesmo tempo tão exageradamente valorizado pelos seres humanos.

Na concepção cristã, a avareza é considerada como um dos sete pecados capitais, pois, na visão católica da Idade Média, o avarento “prefere a vida material em vez do diálogo com Deus” e sua comunidade. Neste sentido, a avareza pode conduzir à idolatria, ato que consiste em tratar algo “que não é Sagrado”, como se fosse um deus.

Esta concepção até se desgastou, ficou velha, pois, com o surgimento das Reformas do século XVI, a Igreja mudou diante do jovem capitalismo. No entendimento católico medieval, o tempo pertencia a Deus e ninguém poderia faturar em cima dele. Não à toa, a usura – palavra ao mesmo tempo sinônimo de juros e avareza – era proibida. Só depois dos movimentos de Martinho Lutero (1483-1543) e João Calvino (1509-1564), os juros foram liberados, a despeito de a avareza ainda continuar como pecado.

Nesse processo de “sacralização do profano”, acaba se transformando num fiel discípulo — ou melhor num escravo — do dinheiro, do patrimônio, das posses, enfim, emerge no “mercado”, um capitalista, materialista, obsessivo e compulsivo.

A ganância é um sentimento humano que se caracteriza pela vontade de possuir tudo que lhe encanta, é o desejo exagerado de possuir tudo o que lhe dê algum valor afetivo ou sobretudo material – visando o enriquecimento de recursos ou de poder.

O ganancioso manipula, engana e chega ao extremo de ameaçar seus desafetos, inclusive com ataques à integridade física e a vida. Muitas vezes é confundido com ambicioso, embora o ganancioso vá além e se opõe à generosidade.

De acordo com Charles Colton: “a ambição comete, em relação ao poder, o mesmo erro que a ganância em relação à riqueza: começa a acumulá-la como meio de felicidade, e acaba a acumulá-la como objetivo”. E aqui um sintoma perverso: a acumulação compulsiva, um distúrbio psicológico que obriga o sujeito a acumular objetos. Este mal também é conhecido como síndrome de Diógenes, a “doença do colecionador compulsivo” ou disposofobia, que é algo cada vez mais comum em nossa sociedade.

Trata-se de um desprendimento material que causa angústia, dor e até mesmo remorso. Muitas vezes, essas pessoas, além de sofrerem da síndrome do colecionador, são compradoras compulsivas. Adquirem objetos constantemente e não importa se precisam deles ou não.

Assim é gerado um círculo vicioso, em que o acumulador compra, sente satisfação, prazer, liga-se ao objeto e não pode deixá-lo mais, continuando, assim, seu vazio emocional, resultante da interação com objetos. Sem perceber que a exclusão de pessoas reforça ainda mais o vazio existencial, o ganancioso compra ainda mais, o que o leva à desordem e, em alguns casos, à sujeira.

Acumuladores materiais

O interesse da psicologia no fenômeno da acumulação iniciou-se no século XX, com Sigmund Freud, que, em 1908, detalhou o chamado “caráter anal” como uma combinação de três peculiaridades: ordem, obstinação e parcimônia, que poderia chegar ao nível da avareza. É a parcimônia que, provavelmente, foi um dos primeiros esboços do que mais tarde seria chamado de acumulação.

Na psicologia, a fase anal tem um aspecto infantil – anterior à oral e à fálica –, é caracterizada pela consciência da criança na retenção das fezes – ou seja, quando ela não faz as necessidades nas calças. Assim, esta criança é elogiada e amada pela mãe e pai e isso a gratifica. Se essa fase for uma das mais felizes, ela pode ficar fixada.

Em 1912, Ernest Jones identificou dois aspectos-chave desta avaliação de Freud: “o desejo de reunir, colecionar e acumular”. O autor sugeriu que dinheiro, livros, tempo, comida e outros objetos eram os equivalentes fecais do caráter anal. Mais tarde, os bens acumulados também foram conceituados como símbolos fálicos, objetos de transição, um modo patológico de se relacionar e como os últimos vestígios das relações de objeto dos pacientes, entre outros.

No artigo “Caráter e erotismo anal” (1908), Freud sugere três motivos para a associar o “complexo monetário” a algo sujo: o primeiro é dado pela cultura: “nas formas arcaicas de pensamento, nos mitos, contos de fada, nas superstições, nos sonhos e na neurose, o dinheiro é intimamente relacionado à sujeira”.

O segundo motivo se refere ao contraste entre o mais precioso e o mais desprezível: a identificação entre o ouro e as fezes se deve justamente por sua justa oposição, como é comum acontecer no inconsciente, a representação de algo pelo seu contrário. Por fim, o terceiro motivo tem a ver com o período da fase anal e o interesse espontâneo pelo dinheiro.

Logo, em vez de o interesse erótico original na defecação extinguir-se com o tempo – com o amadurecimento –, a novidade é o interesse pelo dinheiro, que não existia na infância.

Ao se estudar o impacto da riqueza e da desigualdade no comportamento humano, descobriu-se que o dinheiro tem uma influência poderosa em nossos pensamentos e ações, muitas vezes sem que percebamos e independentemente das nossas circunstâncias econômicas.

A busca da riqueza pode se tornar um comportamento compulsivo. De acordo com a psicóloga Tian Dayton, “a necessidade compulsiva de obter dinheiro é muitas vezes considerada parte de uma classe de comportamentos conhecida como vício processual, ou vício comportamental”, que é diferente do abuso de substâncias.

Vícios processuais são vícios que envolvem uma relação compulsiva e/ou fora de controle com certos comportamentos, como jogo, games, sexo, comida e, dinheiro, muito dinheiro. Com esse tipo de vício e patologia, ocorre uma mudança na química cerebral semelhante aos efeitos de álcool ou drogas.

‘Baratos’ da droga

Nesses casos, assistir metodicamente a filmes pornográficos, comer e beber compulsivamente ou ter uma relação obsessiva com o dinheiro pode causar o mesmo “barato” causado pela liberação da dopamina. A pessoa viciada aprende, mesmo que de forma inconsciente, a manipular a química do próprio cérebro.

Mesmo não sendo algo químico, este vício causa a dependência das sensações de posse de dinheiro ou bens materiais, que pode em último caso levar a consequências negativas e prejudicar o bem-estar do indivíduo.

Não há correlação direta entre renda e felicidade. Após um certo nível de renda, suficiente para atender necessidades básicas, a riqueza não deveria fazer tanta diferença no bem-estar geral e na felicidade. Pelo contrário, ela pode até ser prejudicial: pessoas extremamente ricas podem sofrer mais de depressão, bebedeira, cocainismo e tédio existencial. Os dados de entrevistas sugerem que o dinheiro em si não causa insatisfação, mas a busca incessante por riqueza e bens materiais pode levar à infelicidade. Valores materialistas já foram ligados à baixa satisfação nos relacionamentos.

Como diria Jean de La Fontaine, “a avareza perde tudo ao pretender ganhar tudo”. E segundo Rousseau: cada idade tem as suas inclinações, mas o homem é sempre o mesmo. “Aos 10 anos é levado por doces; aos 20 por uma amante; aos 30 pelo prazer; aos 40 pela ambição; aos 50 pela avareza”…