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Aprender dói

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Em busca da felicidade no momento do nascimento tudo o que se espera do bebê é que ele chore. Para a equipe médica e os pais seu choro é sinal de vida e alívio. Para o bebê é sinal da primeira aprendizagem fora da sua zona de conforto.

Saído do aconchegante ventre da mãe onde se via livre do frio, da fome, livre do precisar respirar por si só e do manifestar – de alguma forma – suas necessidades, com o nascimento o bebê vem ao mundo num choro sentido de quem ganha o mundo e abre seus pulmões a ele num misto de vitória e dor. E eis o primeiro indício de que aprender dói.

No decorrer da trajetória de vida humana a busca pelo sucesso – próprio e alheio, no caso de filhos e parentes próximos – gira em torno de expectativas que, com o passo acelerado do mundo mercantilizado e opressor da competição, passa desde cedo a experimentar emoções cada vez mais complexas. A frustração, então, muitas vezes começa a ganhar espaço na vida cotidiana das pessoas de todas as ordens sociais, econômicas e culturais.

Mais um final de ano passou e o momento se torna oportuno para se refletir: que ar misterioso é aquele que envolve os finais de ano numa sensação natalina de paz e esperança? Ele nada mais é que a esperada oportunidade de recomeçar, transferindo ao novo ano o poder cósmico de ser privilegiado pelas bençãos de um acontecer diferente. No entanto, o mais comum é o primeiro dia de preto na folhinha do  ano surgir como qualquer outro, assim como a rotina, deixando-se dissipar todo vestígio daquela energia encantadoramente motivadora.

A reflexão a respeito de algo fatidicamente recorrente, como tudo na vida, tem uma razão de ser na vida social e emocional dos indivíduos e pode ser definida, a certa altura do ano, como frustração. Frustração por não ter conseguido cumprir a dieta recomendada pelo médico ou pela própria consciência; por não ter começado o exercício físico que sabe ser capaz de colocar os hormônios da felicidade para trabalhar; por não ter sentido que fizera a diferença na própria vida como planejara no último Natal e Ano Novo; frustração por a cor escolhida para a passagem de ano não ter surtido o efeito esperado no ano que, quando se vê, já está para mais da metade e o novo já voltou a ficar velho.

O meio para se romper o ciclo vicioso, enfim, é curto, embora muito desafiador: quebrar diariamente a zona de conforto alimentada todos os dias pelas expectativas mal elaboradas e definidas. E, acredite, não é errado e nem fraqueza precisar contar com auxílio externo (médico, terapêutico, religioso, amigo) para se conseguir tal façanha. Porém, importante saber também que o autoconhecimento e exercícios cognitivos que envolvem estratégias e trabalham as funções executivas também fazem efeito.

Assustou com o termo “exercícios cognitivos”? Não precisa! Os velhos jogos de tabuleiro – dama, xadrez, ludo ou torrinha – e também os modernos, mas simples jogos de cartas, como o UNO, são fortes benfeitores no quesito. E se isto for explorado sistemática e metodologicamente, então, os resultados podem ser transformadores de frustrações em verdadeiras conquistas.

A criança nasce e ganha o mundo – o seu mundo – ao chorar pela primeira vez. Com o estímulo externo e seguindo a lei do desenvolvimento humano, provavelmente ela passa do colo ao chão, vence a necessidade do encosto e engatinha, passa a se sentar sozinha até querer, instintivamente, a dar os primeiros passos. Com dedicação ou não dos familiares, o bebê conquista o mundo e – mais que respirar sozinho – alcança aos poucos sua autonomia.

No entanto, o que acontece no meio do caminho para que a perseverança da conquista adentre um campo de menos empenho e mais acomodação? O grau dos desafios? A exigência da disciplina? A necessidade do autoconhecimento? Tudo junto e misturado, somado a tantos outros fatores, eis as causas da resistência à aprendizagem: dói assumir a responsabilidade de conhecer a si mesmo – encarando suas habilidades e limitações –, dói sair da zona de conforto em se autodisciplinar, em se propor a encarar desafios e descobrir que talvez o empenho tenha de ser maior do que gostaria.

Assim acontece com todos! Mas… acreditem, quanto mais o tempo passa, mais desafiador fica. Por isso na escola, quanto mais se prolonga as dificuldades de aprendizagem mais difícil fica a recuperação do que foi se acumulando pelo caminho. Não porque o indivíduo se torna incapaz, mas porque ele se torna mais resistente ao perceber que não corresponde às expectativas de si mesmo e dos outros que, não facilitando, passam a julgar mais que auxiliar. A dor vai se tornando tão evidente que a autoproteção ganha espaço e segue adiante.

Seria incrível se as conquistas viessem embrulhadas para presente de acordo as cores da roupa na passagem do ano novo; se a dor da perda de um ente querido ou de um animalzinho de estimação fosse superada apenas pela intenção e pela razão. Mas qual seria mesmo o esforço se o incrível traz conforto e conforto não ensina?

É preciso compreender e aceitar que se aprende a aprender. De mais facilidade e acesso a uns que a outros pode não ser de uma hora para outra que a chavinha da aprendizagem gire nas pessoas. Seja no campo escolar, no pessoal, no da saúde, no social, no profissional e até mesmo no religioso, compreender tal princípio ameniza a dor. Ela não deixa de existir, senão a aprendizagem estacionaria, mas é aprendido a lidar com ela que vai, aos poucos, se transformando. Para tanto, as especialidades e a ciência são ímpar na vida moderna e mais uma vez a neuroplasticidade – que trata da capacidade cerebral de estender suas conexões neuronais e expandir os conhecimentos – se fazem presente como acalento, assim como a capacidade de se trabalhar e amadurecer as emoções.

Que o viver do fim de ano para este, que já beira o fim do primeiro mês, tenha “o pasmo essencial / Que tem uma criança se, ao nascer, / Reparasse que nascera deveras…” Sentindo-se “nascido a cada momento / Para a eterna novidade do Mundo…” como tão belamente Fernando Pessoa traz sob o pseudônimo de Alberto Caeiro. Que a conquista seja trabalhada na educação dos sentidos, na reeducação da definição do empenho. Que o aprender a aprender amadureça, com a presença ou não de profissionais ou métodos mediadores, para que a liberdade conquistada substitua saudavelmente a frustração já que, depois da dor do aprender vem a liberdade em ser.

Feliz ser de um novo ser em 2020!