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Aprender dói

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Quando falamos sobre aprendizagem geralmente o primeiro link de pensamento que se faz é com a escola e o estudo que o mundo coloca como convencionais. E ao pacote deste pensamento costuma-se somar os conteúdos, a imagem do professor, da sala de aula, a música urbana que invade e preenche os espaços frios e concretados do ambiente escolar como um todo.

Tal pensamento está tão socialmente enraizado que se torna desafiador ver, sentir, compreender e aceitar tudo o que destoa do considerado comum e ainda mais do que destoa do novo, mesmo quando não há outra alternativa.

Até meados de março de 2020 a zona de conforto comum a todos nunca fora tão mexida e escarafunchada até se tornar o veículo a escancarar o quão pode ser alto o grau de dor no processo do aprender. Afinal, é pela dor que se apresentam o medo do desconhecido, a insegurança da incerteza, o temor do fracasso, a sensação de não controle da própria vida, a inércia que a maioria busca, mas que não quer que lhe seja imposta e, principalmente, o assustador contato consigo mesmo pura e simplesmente.

Como é difícil encarar a si mesmo, não?! Especialmente quando não se trata de uma escolha. No entanto, o autoconfinamento que tem assolado pessoas, famílias, grupos diversos é aquela pedra jogada no lago em dias ensolarados que turva a água e remexe o que está sob a límpida aparência.

Mais que a precariedade de todas as ordens e setores a situação que se vive hoje é um convite amargo ao encontro de revelações que, pela dor, permanecem sendo evitadas: as desigualdades sociais, a acessibilidade, o confronto entre o ser, estar, poder e fazer. Embora nada disso seja novidade o encarar tudo isso, sem escapatória, o é.

A zona de conforto ferida está pondo em xeque o entendimento e vivência peculiares e solitários de tantos que ainda permanecem à sombra dos quereres doloridos da resistência em aprender. Aprender dói! Dói o aceitar esperar, dói o compreender não poder, o não conseguir. Qual a diferença da dor em não ouvir ou não querer ouvir? Em não poder ver e o não querer ver? O não conseguir andar e o não poder andar? Que nome tem aquilo que faz com minha dor seja maior que a de outrem? Que dor é esta que, no curso da história e no escuro dela, se perpetua no silêncio, no esquivo, na resistência? Que sentido tem ver-se privado do que lhe era comum ao pensar que o comum de tantos é visto como incomum?

Dói!!! E é bom que doa! A dor une; a dor fortalece; a dor revela; a dor transforma; a dor faz iguais por mais que haja aqueles que precisem que a dor seja muito íntima para entender sua dimensão positiva. Isto porque a dispensa desta intimidade só é possível àqueles munidos de outra capacidade: a da compaixão e empatia, pois só assim se é capaz de sentir a dor que não é sua para aprender e evoluir também. Cada coisa a seu tempo e com um com o tempo de que precisa.

Reprogramar automatismos – defensivos, conscientes ou inconscientes – requer esforço, vontade, consciência e às vezes auxílio terapêutico em certos casos e o mundo hoje, as vivências, as expectativas definem um quadro de atenção maior do que se pensa com relação a isso.

O cuidado com tais expectativas é fundamental durante o percurso de conflito que se vive para que as frustrações não sejam mais avassaladoras do que têm sido desde o meio de março deste ano e que têm tomado proporções galopantes no decorrer de dias exaustivos e aparentemente repetitivos.

Não estamos em uma viagem de férias cujo término nos permitirá o retorno para nossas casas, nossa vida, nossa rotina intocáveis. Aquele sentimento de pertença que o retorno de uma viagem dá – seja por lazer ou não – não está nos esperando ao fim do túnel. Já estamos em casa, convivendo conosco mesmos e com os nossos, reencontrando nossos limites e essência. Estamos com tudo o que realmente nos pertence física, emocional e moralmente. Estamos com as desigualdades, a marginalização, a precarização de vidas e mortes, a vida real íntima e externa – queira ou não – 24h nas mãos.

O mundo não é e não será mais o mesmo e aproveitar o tempo para exercitar este entendimento, para acomodar os sentimentos e propósitos de vida, as expectativas para a continuidade dela é o diferencial para daqui em diante. É o segredo para aprender a lidar com a dor do aprender e a sua diminuição gradual, próprio do processo.

Assim como o mundo nem nós e nem aqueles com quem convivemos seremos mais os mesmos. E no âmbito escolar, assim como nas políticas, no setor empresarial e todos os outros, pensar o aprender pede revisão e urge por novas ações. Cabe lembrar: o não era fácil o que será daqui para frente? O que significa os regulamentos internos de empresas e escolas sobre uso das mídias e redes? Como ficam as imposições sobre regras em momentos em que a zona de conforto de todos fora violentamente abalada na esperança contraditória de que alunos e famílias se comuniquem com professores e escolas por meio delas neste período inóspito de nós mesmos?

A aproximação remota tem significação social e emocional importantes: os resultados são frutos da semeadura de outrora. As dores? Podem ser libertadoras ou cárceres diante a aceitação ou resistência de nós para nós no mundo.