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A língua do Chaim

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“Ma aldhy tastatie alqiam bih”

Este é o resultado em árabe oferecido pelo aplicativo tradutor da internet quando você digita a expressão em português “o que dá pra fazer?” Foi mais ou menos isso que ouvi do empresário Chaim Zaher na entrevista que fiz com ele no programa  Embalos de Sábado, no  Grupo Thathi de Comunicação, no último dia 20/06/2020.

Quem já assistiu ao Chaim comunicador, no seu Mentoria,  já deve ter percebido que a frase de abertura deste texto, em árabe ou português, é o bordão dele. Chaim sempre quer saber “o que dá prá fazer?,  principalmente se é um problema que atinge a comunidade e que o poder público enfrenta dificuldade para resolver. Por isso, por brincadeira, no final da entrevista pedi ao Chaim que falasse em árabe o seu próprio bordão. E de bate pronto ele lascou um emaranhado sonoro que não consegui memorizar, mas que ele jurou não estar inventando.

A língua materna do Chaim é o árabe. Menino de 6 anos, veio para o Brasil com a família empurrado pelos constantes conflitos em seu país de origem, o Líbano. E com a mesma naturalidade com que hoje ele pergunta a qualquer detentor de cargo público o que dá pra fazer prá melhorar a situação, Chaim conta o que ele fez para melhorar a sua própria história em solo brasileiro. Em Araçatuba, ajudou o pai num restaurante que não deu certo, vendeu esfiha, enfrentou humilhações no desejo de provar um naco de carne assada e aprendeu a enfrentar adversidades  amparado na sabedoria dos ditados populares. Chaim fez muitas limonadas dos limões que recebeu.

Foi uma entrevista crua, direta, mas sem perder o humor jamais. Desconfio que se fosse outro o dono da rádio, hoje eu não estaria aqui, escrevendo estas linhas no portal de notícias que também pertence a ele. Nem nas questões mais espinhentas da política Chaim refugou, respondeu até que chegou a pensar em ser candidato a prefeito de Ribeirão Preto. A tudo, Chaim mostrou que não é um teimoso, que aprendeu a mudar se for preciso, e – sobretudo – que a sutileza da flexibilidade o fez chegar aonde chegou.

Ainda não se tem notícia de um estudo científico que mostre o comportamento neural flexível de pessoas como o Chaim. Mas para quem é cabeça-dura (quem nega a pandemia e crê na terra plana) já tem explicação. Contei em outro artigo a história do cavaleiro atolado na lama que recusava ajuda do morador da cidade vizinha com o argumento de que confiava na força de seu cavalo. Na volta, o barro já estava encobrindo a cabeça do animal e o cavaleiro irredutível só fez repetir a birra: – Confio no meu cavalo! Apesar da evidência de que não havia saída, senão aceitar ajuda, o turrão não mudou de opinião e nunca se soube em quanto tempo foi engolido pelo lamaçal.

Neste mesmo texto, lembrei o psicólogo Leon Festinger e sua teoria da Dissonância Cognitiva que tenta, desde os anos 1950, explicar o comportamento do ser humano que se vê diante de evidências contrárias à sua maneira de pensar. A tendência geral, segundo Festinger, é tentar acabar com essa dissonância arrumando argumentos que possam se contrapor ao que está incomodando. O exemplo é o fumante que decide seguir com o vício argumentando que se parar de fumar vai engordar e, por consequência, isto fará mais mal à propria saúde do que umas boas tragadas no tabaco com filtro. A mente em conflito faz de tudo para acabar com a ameaça de uma mudança de comportamento. Mudar é muito difícil.

Estes conceitos de Festinger são teóricos, mas nem por isso, menos relevantes. Pois não é que as ideais do psicólogo acabam de ganhar um reforço de peso e mais próximo da exatidão? Saiu na Nature o estudo de pesquisadores da University College London que aponta pela primeira vez os processos neurais que caracterizam o comportamento de um cabeça-dura, aquele que não consegue mudar de opinião depois que um conceito, uma ideia, ou uma crença se instalam no seu cérebro.

Foram 75 voluntários que se submeteram a seguinte experiência: indicar se uma nuvem de pontos pretos projetada em uma tela se movimentava mais para a esquerda ou para a direita. Conforme a resposta, os pesquisadores perguntavam se os voluntários estavam realmente convictos de suas afirmações. Na sequência, estas pessoas recebiam informações mais exatas sobre a movimentação dos pontos pretos. Os que se mostraram mais convictos sobre o que afirmaram na primeira vez não quiseram saber das novas informações, ignoraram os dados mais precisos repassados na sequência e com isso deixaram de corrigir um erro de avaliação, o chamado “viés de confirmação”.

Para não deixar dúvidas, os pesquisadores conectaram o cérebro dos voluntários a um scanner que acompanhou a atividade neural enquanto as decisões eram tomadas e, neste momento do estudo, a química revelou uma imagem impressionante. Quando os voluntários receberam as informações conflitantes com as suas convicções, o cerébro apresentou pontos cegos, como se houvesse um bloqueio físico àquele estímulo. Quando, por outro lado, as informações confirmavam a decisão inicial, bingo! O cérebro continuava sensível e sem pontos cegos.

Se com a simples observação de pontos pretos se movimentando numa tela o indíviduo é capaz de fincar o pé dizendo que a nuvem vai para um lado e não para onde estão apontando as evidências, imagine se assunto for ideologia. O comportamento do coronavírus, então, que traz novidades de um noticiário para outro, com certeza é capaz de provocar uma grande mancha sem atividade neural na cabeça-dura de um negacionista.

Caso a ciência não tenha o carisma suficiente para convencer os mais teimosos, que tal experimentar um pouco das histórias populares, como esta que o Chaim usou para definir a importância da flexibilidade e entender que o mundo não é exatamente como pensamos que ele seja.

O velho sábio abriu a boca banguela e perguntou ao jovem aprendiz:

– O que você vê meu filho?

– Vejo uma boca com a língua e sem os dentes.

Após ouvir a resposta, o ancião explicou:

– Os dentes foram embora porque são duros. A língua ainda está aí porque é flexível.