A eleição silenciosa

Como Mephisto cobra as dívidas

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Muito se tem falado sobre o processo eleitoral brasileiro. As pesquisas mostram números que  não mudam o bastante semanalmente. Especula-se de todas as formas. Vários analistas apostam que o cenário não mudará, mesmo porque não há tempo. Outros, no entanto, enxergam soluções mágicas. Os candidatos se apresentam como voluntários da pátria, salvadores do mundo, sebastianistas de caravelas furadas.

O público assiste a tudo sem muito interesse, ainda. Creio que o circo está subindo o mastro, limpando a lona, descarregando as arquibancadas. A bandinha nem ensaiou, o trapezista não se aqueceu. Apenas os palhaços fazem estardalhaços nas praças. O espetáculo daqui um tempo vai começar.

O que pouca gente se dá conta é que há uma outra eleição dentro da eleição. O que eu chamo de eleição silenciosa. Ela não retumba, não faz escândalo, não está na cara. Ela é como um cancro maldito que vai corroendo o doente sem alarde. Ela é perigosa e nefasta, nojenta e mortal. No sistema político desastroso brasileiro, a eleição majoritária é eleição para nada. A verdadeira eleição é outra: a dos parlamentares que vão dar a seiva aos “projetos” do executivo.

Bolsonaro, por exemplo, sabe disso muito bem. Suas ideias, loucas ou não, só conseguiram aprovação porque foram “carimbadas” por parte de políticos que lá estão, apenas para negociar esse tipo de anuência. Lula não foi diferente quando governou. Vendeu a alma ao diabo, subiu no palanque com Collor, abraçou José Sarney, prometeu juras de amor a Temer. Lula não fez isso para ser um estadista, um ser acima do bem e do mal (como ele se apresentava, na época), fez isso para governar. A tal governabilidade que castiga ideologias, palavras e ações. A eleição silenciosa é essa.

Quem não tem palanque precisa comprar. Por isso, as campanhas ricas são as mais interessantes. O sistema político deu esse caminho. Assim nasceram partidos que não possuem a menor identidade ideológica. São moedas de troca. Birutas de aeroporto, que mudam de posição conforme o vento.

Quanto valerá ser presidente da câmara dos deputados? Dependendo de quem ocupar esse cargo, qualquer governo eleito corre o risco de não governar, de ser impedido, de ter seus projetos barrados, de ser colocado na famosa “linha de impedimento”. O contrário também é verdadeiro. Ter nas mãos o presidente do Congresso é ganhar na megasena. Ter uma bancada forte é ter bala na agulha. Ter a capacidade de lotar o funcionalismo com comissionados é o eldorado. Estima-se que haja no país nada mais, nada menos, que 600 mil cargos comissionados. No Estados Unidos, por exemplo, são apenas 7.000 cargos. Na Inglaterra, são 500 cargos.

As negociações são intestinas e secretas. Lula não trouxe Alckmin para vice, pelo espírito de fortalecimento ideológico. Fez isso para governar, como fará com qualquer partido que se dispuser compor a governabilidade. Bolsonaro, ou qualquer outro, não será diferente.  O que será dado em troca? A alma. O que eles não sabem é que, como em Fausto, Mephisto cobra e cobra com juros e correção monetária. O demônio dá risada. Faz parte do jogo. E o povo? Que povo? Que arda no mármore do inferno.