Racismo | Grafite em pilares de viaduto gera abordagem hostil da PM em Ribeirão

Grupo de grafiteiros se reuniu para homenagear os 164 anos de Ribeirão Preto. Mas um dos grafiteiros envolvido na ação, autorizada pela prefeitura, denunciou abordagem agressiva de policial

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Grafiteiros se reuniram no último feriado e no fim de semana com o objetivo de promover a arte e presentear Ribeirão Preto na comemoração dos 164 anos da cidade.

O grupo com 12 pessoas coloriu 8 pilares do Viaduto Jandira Moquenco, no cruzamento das avenidas Independência e Meira Junior, um trabalho que aconteceu de sexta (19) até o domingo (21).

A intervenção artística tinha autorização datada de 17 de junho, de diversos órgãos da prefeitura, sendo eles, a Secretaria de Planejamento, Departamento de Urbanismo e Secretaria da Cultura, e os custos com os materiais utilizados foram bancados pelos próprios artistas.

Mas em um dos dias da execução do trabalho, durante o processo da grafitagem, que deveria ser um momento de confraternização e alegria, uma situação desagradável envolvendo um policial militar e um dos grafiteiros que liderou a ação, causou um imenso mal entendido.

Elieser Pereira, conhecido como Leser, é educador social desde 2009, trabalha com as principais instituições culturais de cidade de Ribeirão Preto, coordena o projeto Centro Vivo Cidade Democrática e é presidente da Comunidade Barracão, um projeto social na favela do Simione. Apaixonado pela arte, é também skatista, grafiteiro, rapper, compositor e produtor musical. Nas redes sociais, ele relatou o que aconteceu e disse que foram várias abordagens, sendo as primeiras, mais tranquilas.

“A polícia passou por lá várias vezes. Na primeira vez, os policiais que foram pela manhã, caras tranquilos, conversaram com a gente normal e até elogiaram nosso trabalho. Pegou os documentos, ligou na central, informou a central que estaríamos lá pintando durante o dia todo. Mais tarde, veio outra viatura, perguntou se tinha autorização também, foi super tranquilo, mostramos autorização, desejaram bom trabalho e foram embora”, afirma o grafiteiro.

Mesmo assim, o trabalho continuou e no fim do dia, já com menos grafiteiros envolvidos na ação, enquanto Leser ilustrava um dos pilares, aconteceu a abordagem mais tensa. “Entre 7 e 8 da noite, eu estava pintando, aí uma viatura passou  e hora que ela me viu pintando, ela meio que freou, dando um cavalinho de pau, o policial já sacou a arma, apontou pra mim e já começou a gritar pra mim não correr. Aí eu levantei as duas mãos, falei por favor abaixa esta arma, não vou correr, não tenho motivo para correr, não precisa agir assim, abaixa esta arma”, relembrou Leser. Segundo ele, o policial duvidava da autorização que o grupo tinha para realizar a grafitagem.

“Ele duvidou do documento que eu estava apresentando, ele não se contentou, quis confirmar na prefeitura se a autorização era válida, isto demorou quase 1 hora e enquanto isto ele ficou falando um monte de coisa pra mim”, completou.

Uma pessoa que estava no local, fotografou o momento em que o policial segurava a arma e o grafiteiro levantava a blusa para mostrar que estava desarmado.

Leser também falou com a equipe de reportagem do Grupo Thathi sobre a abordagem da PM e desabafou : “Pelo que vejo é uma soma de fatores que interfere na abordagem, o racismo estrutural influencia nas abordagens e nelas somos julgados primeiro como culpados, infratores, criminosos, para depois sermos suspeitos e averiguado. A cor da pele influência sim e a arte de rua também. A gente sofre com este pré-julgamento dos ignorantes”.  Ele ainda pede um basta para este tipo de comportamento. “Pra mim não é legal falar disto, não gosto de publicar isto, não gosto de falar de violência policial, não é um orgulho pra gente falar disto, mas a gente não suporta mais este tipo de abordagem, a gente não suporta mais ver a polícia matando, a gente não aguenta mais ver estas injustiças”, completa o grafiteiro.

Apesar de tudo, Leser não desanima e deixa um recado; “Eu tô produzindo algo para a cidade, a gente tem um papel importante na sociedade que é fazer dela um lugar melhor pra todo mundo”. 

A secretária da Cultura, Isabella Pessotti, se posicionou aos artistas, reconhecendo e agradecendo o exímio trabalho, o esforço coletivo, dizendo da importância da doação que esses artistas fizeram à cidade, através da sua arte e força de trabalho. “Até o material usado foi doação dos artistas. Pra nós é motivo de orgulho e honra receber esse presente que é o conjunto de obras de arte urbanas que Ribeirão ganhou nesse aniversário”, afirma a secretária.

“O racismo estrutural influencia nas abordagens e nelas somos julgados primeiros como culpados, infratores, criminosos para depois sermos suspeitos e averiguado.  A cor da pele influência sim e a arte de rua também. A  gente sofre com este pré-julgamento dos ignorantes”.  Leser, educador social e produtor cultural

Outro lado

A reportagem do Grupo Thathi questionou a Polícia Militar sobre o episódio mas não teve retorno até a publicação da matéria. Posteriormente, a Secretaria de Segurança Pública informou que “a abordagem realizada foi dentro dos Procedimentos Operacionais Padrão não havendo nenhuma demonstração de racismo na ação policial”.

“Não houve comunicação à instituição sobre a autorização do município para atividade, sendo necessário checar as informações e localizar o responsável durante o feriado da cidade”, disse a instituição, que ressaltou, entretanto, que estuda abrir um Inquérito Policial Militar para apurar os fatos.

Apesar do ocorrido, os trabalhos dos grafiteiros foram concluídos. Confira na galeria de fotos, o resultado.