MP vê falta de clareza e questiona prefeitura sobre índices que empurraram Ribeirão para a Fase Amarela

Dúvidas foram levantadas em portaria sobre retorno das aulas presenciais

0

Com o objetivo de acompanhar as condições previstas pelo município para o plano de retomada das aulas presenciais na rede pública de ensino, o Ministério Público (MP) de Ribeirão Preto questionou a prefeitura sobre o que classificou como “números flutuantes” e mudanças na metodologia para levantamento de números referentes à pandemia de Coronavírus. A instituição questiona a forma de captação dos dados..

Em ofício enviado à secretaria municipal de Saúde, o promotor de justiça Naul Felca questiona o que ele considera “números flutuantes” para os leitos hospitalares de UTI destinados a pacientes com Covid-19.

O promotor quer saber porque o número de leitos privados também é computado na disponibilidade total de leitos do município já que, para o Ministério Público, o mais pertinente seria que isso ocorresse apenas em caso de lotação da rede pública ou na possibilidade de um colapso no setor.

O documento aborda também uma possível mudança na metodologia de contabilização dos números da Covid-19 a partir de junho. Essa mudança teria permitido que mortes ocorridas no mês respectivo fossem contabilizadas na data em que surgiram os primeiros sintomas.

Em um trecho do documento, o MP questiona se houve deslocamento no número de óbitos do mês de julho para o mês de junho e qual o reflexo dessa medida na decisão sobre a mudança de fase da região de Ribeirão Preto dentro do Plano São Paulo. Na sexta-feira 7, o governo estadual confirmou a informação antecipada um dia antes pelo prefeito Duarte Nogueira (PSDB) sobre a entrada de Ribeirão Preto na fase amarela, dois meses após permanecer na vermelha, a pior dentro da avaliação do plano. Se a mudança de metodologia for confirmada, o promotor Naul Felca questiona se essa decisão pode ter contribuído para uma aparente noção de queda no número total de mortos no período avaliado.

Questionamento

O documento foi elaborado pelo GEDUC MRP – Grupo Especial de Atuação de Educação Núcleo Ribeirão Preto – do Ministério Público Estadual, que abrange 14 municípios da Diretoria Regional de Educação de Ribeirão Preto e 8 da DRE de Sertãozinho.

O Ministério Público ressalta que houve um aumento na disponibilidade de leitos para Covid-19 no município, mas levanta dúvidas sobre os números e também cita a queda na média móvel de casos positivos que, segundo a secretaria municipal de Saúde, teria caído de 250 em junho para 70 em julho, uma redução de 72%. A média móvel representa o resultado da soma do número de casos do dia com os dos seis dias anteriores.

Nesse ponto, o promotor lembra que ainda há quase 6 mil exames a espera de resultados referentes aos meses de junho e julho, que poderiam ter reflexos nos índices de avaliação. Naul Felca quer saber qual o peso dos números apresentados na média móvel para eventual mudança de fase no Plano São Paulo.

De acordo com a portaria, um ofício também foi enviado à secretaria estadual de Saúde por intermédio da Procuradoria Geral de justiça do Estado de São Paulo. O MP quer saber da secretaria a quem compete a fiscalização da veracidade de dados apresentados pelos municípios e quem lança os números nos sistemas SIVEP-Gripe e e-SUS, de controle estadual da pandemia.

As duas secretarias têm um prazo de 10 dias para responder aos questionamentos a partir do recebimento dos ofícios.

Mais questionamentos

Outros ofícios foram enviados ao Departamento Regional de Saúde – DRS 13 – de Ribeirão Preto e ao DRS-5 de Barretos com prazo de 15 dias para respostas. Nestes documentos, o MP pede um levantamento minucioso da pandemia na região com números de infectados e mortos por períodos que vão de maio ao final de julho.

Nos mesmos documentos, o MP questiona qual fonte é usada para aferição dos números e cita pelo menos quatro bancos de dados diferentes (SEADE, e-SUS, Power Bi-i e censo Covid) que poderiam resultar em informações divergentes.

“Todos esses questionamentos foram feitos dentro da obrigatoriedade de transparência da administração pública. É um direito constitucional.”, afirma Naul Felca.

Educação

De acordo com o Ministério Público, a portaria com data de 4 de agosto de 2.020 já foi enviada para as DRSs, prefeitura de Ribeirão Preto e secretarias municipais de Educação e Saúde.

O promotor Naul Felca integra o Subcomitê Temático de Educação dentro do Grupo de Trabalho de Enfrentamento à Covid-19 do Ministério Público do Estado de São Paulo, composto pelo procurador geral de Justiça, Mário Sarrubbo. Em Ribeirão Preto, Naul Felca é responsável pelo GEDUC-MRP, criado para dar acompanhamento às ações do setor de educação na região.

No documento expedido, com base em dados científicos e estatísticos emitidos por instituições como a ONU, OMS e documentos como o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Ministério Público mostra preocupação com as condições necessárias para a retomada das aulas presenciais. Naul Felca lembra que, só em Ribeirão Preto, a rede municipal engloba 47 mil alunos em 109 unidades escolares, além de 2.744 docentes e 1.616 funcionários.

A portaria estabelece que o retorno somente será possível com uma análise bem acurada e ponderada das condições, reavaliação contínua dos cuidados, medidas protocolares e diretrizes estabelecidas. O documento lembra a necessidade de participação de toda a comunidade escolar nas decisões e cobra garantias de ampla testagem de exames de Coronavírus para todos os alunos.

O MP cita que os estudos internacionais ainda são inconclusivos sobre os riscos de contaminação entre crianças e adolescentes e lembra que, no último dia 28 de julho, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente divulgou nota pública contrária ao retorno das aulas presenciais enquanto não houver melhor controle da pandemia.

O Ministério público instaurou um Procedimento Administrativo de Acompanhamento e estabeleceu um prazo de dez dias para a prefeitura e a secretaria municipal de Educação responderem a vários questionamentos. O MP quer saber detalhes sobre disponibilidade de EPIs nas escolas, regras de higienização e distanciamento, limitação do número de alunos em cada sala, necessidade de criação de novas salas de aula para comportar todos os alunos, entre outras normas sugeridas.

Alunos da rede municipal durante aula – Foto: F.L. Pito

Dois questionários foram elaborados para serem respondidos por familiares de alunos e profissionais. Um deles, com mais de 50 perguntas, mostra uma preocupação maior com os alunos da educação especial, considerados mais vulneráveis no quadro de uma pandemia.

Em um trecho do documento, o MP questiona a administração municipal sobre os recursos utilizados para a Educação durante a pandemia, já que a legislação estabelece um mínimo de 25% de repasse do orçamento para o setor. O promotor quer saber inclusive se parte do auxílio de R$78.664.025,05 destinados a Ribeirão Preto pelo governo federal será usada para a Educação.

Na opinião de Naul Felca, “a retomada das aulas presenciais não pode ser decidida como uma reabertura do comércio. O retorno dos estudantes transfere para as escolas, normas semelhantes às de um ambiente hospitalar.” O promotor ainda ressalta: “Na dúvida, sempre vamos proteger a vida e a saúde pública.”

O outro lado

O secretário municipal de Educação de Ribeirão Preto Felipe Elias Miguel confirmou o recebimento do ofício enviado pelo Ministério Público e afirmou que o Comitê Intersetorial criado em 18 de junho último já valia todas as recomendações do Ministério Público para uma retomada das aulas na rede municipal, que ainda não tem data prevista para acontecer. Outras informações devem ser prestadas pela Coordenação do Ensino Fundamental, Coordenação de Educação Especial e Coordenação da Educação Infantil. O secretário lembra que representantes do GEDUC também acompanham os trabalhos do comitê.

De acordo com Felipe Miguel, o município poderá adotar o sistema híbrido com aulas presenciais e não presenciais, a exemplo do que o governo pretende estabelecer na rede estadual. O secretário informou que todos os equipamentos de proteção devem ser providenciados no prazo. “Devemos seguir à risca o que tem sido colocado pelo Ministério Público. Pode ser que haja alguma norma inviável do ponto de vista financeiro ou operacional, mas estamos trabalhando em parceria”, afirmou o secretário.

A secretaria municipal de Saúde informou que ainda não foi notificada sobre a portaria.

A assessoria de imprensa da prefeitura também disse desconhecer o ofício enviado pelo Ministério Público.

A assessoria de imprensa da secretaria estadual de Saúde não respondeu ao contato da reportagem.

Não foi possível um contato com os Departamentos Regionais de Saúde de Ribeirão Preto e Barretos