Exclusivo | Secretário de Nogueira advoga contra própria prefeitura

No total, cinco integrantes do primeiro escalão da administração municipal atuaram como advogado no exercício das funções; OAB promete investigar

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Ao menos cinco integrantes do primeiro escalão do governo Duarte Nogueira (PSDB) contrariaram a lei e atuaram como advogados mesmo depois de serem nomeados para integrar a chefia das suas pastas. No mais flagrante dos casos de irregularidade, o secretário-adjunto da Justiça de Ribeirão Preto, Gustavo Furlan Bueno, chegou patrocinar uma ação contra a própria prefeitura da cidade. A OAB e juristas ouvidos pela reportagem afirmam que a prática é irregular, podendo gerar inclusive processos criminais, enquanto a prefeitura defendeu os envolvidos.

Além da ex-presidente da Coderp Marine Vasconcellos, exonerada de suas funções depois que o Grupo Thathi divulgou, com exclusividade, que ela abriu um escritório de advocacia na cidade e nomeou a própria sócia para um cargo em comissão na Coderp, os secretários da Educação, Felipe Elias Miguel; o corregedor-geral da cidade, Renato Bin, e o secretário-adjunto de Justiça constam como patrono de ações judiciais. Já o vice-prefeito e secretário de Planejamento, Daniel Gobbi (PP), não havia comunicado à OAB sua incompatibilidade, mas já pediu licença das funções de advogado junto à instituição.

O caso mais impressionante é o do secretário-adjunto de Justiça Gustavo Franco Bueno. Além de manter sua atuação como advogado desde que foi nomeado, em junho, para a função que exerce atualmente, o advogado, formado em 2017 na Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão e atualmente aluno de um curso de especialização em direito administrativo, advoga, até o momento da publicação desta matéria, contra a própria prefeitura em ao menos uma causa, o que também é vedado pela lei federal.

O processo patrocinado por Bueno é uma ação indenizatória, que corre no Juizado Especial da Fazenda Pública de Ribeirão. O valor da causa na qual atua é de R$ 12 mil e, se houver condenação, Bueno receberá parte desse valor como honorários sucumbenciais. Na prática, mesmo estando dentro da administração, tem interesse em que ela seja derrotada na causa para aferir vantagem financeira.

Sem falar sobre o caso específico de Bueno, o presidente da OAB em Ribeirão, Luiz Vicente Corrêa, afirmou que um secretário não pode sequer manter o registro de sua OAB ativo, devendo comunicar seu impedimento e pedir licença dos quadros da entidade.
“Além de afronta ao artigo 28 da lei federal, que afirma que o cargo de chefia que ele ocupa é incompatível com o exercício da advocacia, ele também incorre em desrespeito ao artigo 30 do Estatuto da Advocacia, que afirma qualquer servidor público, em qualquer cargo que ocupe, tem impedimento de advogar contra a Fazenda Pública que o remunera”, informou.

Procurada, a prefeitura minimizou a infração e, embora o nome de Gustavo Furlan Bueno conte como advogado ativo no processo que seu cliente move contra a prefeitura, para a administração ele não praticou qualquer ato processual. “[Franco] não exerceu nenhum ato como advogado desde a sua nomeação para o cargo. Os processos citados (bem como todos os outros em que atuou) são anteriores ao cargo. Após sua nomeação todos os processos são conduzidos por outro advogado”, disse a prefeitura. O secretário-adjunto também foi procurado, mas não se manifestou sobre o assunto até o fechamento da matéria.

A informação dada pela prefeitura também foi contestada pelo advogado Vinicíus Bugalho, que integra o comitê de Ética da OAB. Segundo ele, a simples presença do advogado em uma demanda contra a prefeitura significa exercício da advocacia e já é suficiente para configurar, em tese, a prática de duplo patrocínio, quando o advogado representa interesses nos dois pólos da demanda.  “O fato de não haver ato processual não desqualifica a infração. Um advogado nessa condição não poderia sequer fazer parte do processo e deveria se licenciar da advocacia”, afirma.

Mais casos

Outro a manter irregularmente seu registro como advogado é o secretário da Educação, Felipe Elias Miguel. A reportagem localizou, no início de julho, seis processos nos quais ele atuava diretamente. A situação perdurou desde o primeiro mandato de Nogueira.
Nas últimas semanas, entretanto, ele repassou algumas das causas a outros colegas de profissão, mas segue atuando em ao menos um dos processos.

Luiz Vicente Corrêa, presidente da OAB Ribeirão Preto – Foto: Redes Sociais

A prática também contraria o artigo 28 do Estatuto da OAB, que impede secretários de sequer terem inscrição ativa nos quadros da OAB. O procedimento, segundo Luiz Vicente Corrêa, é a imediata comunicação da situação e o pedido de licença dos quadros.

Procurada, a prefeitura informou que Miguel “substabeleceu ou renunciou a todos os processos em que atuava. O nome, porém, pode constar no sistema até a sua baixa”. A informação foi checada pela reportagem do Grupo Thathi, mas a renúncia aos processos não consta no sistema do Tribunal de Justiça até o momento.

A prefeitura não comentou o fato de o secretário ter exercido, durante boa parte do primeiro mandato de Nogueira e durante os sete primeiros meses do atual governo, irregularmente a advocacia. O secretário, por sua vez, informou que se pronunciaria através da assessoria da prefeitura.

Já Felipe Miguel informou que atua apenas em casos familiares e que pretende manter o registro na OAB para ter acesso a processos judiciais e do Tribunal de Contas do Estado.

Mais dois

O corregedor-geral da prefeitura, Renato Bin, é outro na mesma situação. Recentemente empossado, ele aparece como patrono em uma série de processos nos quais representa clientes particulares, seja na Justiça de Ribeirão ou em outras cidades de São Paulo. A reportagem acessou o sistema e verificou cinco processos, de forma aleatória, no quais em um deles ele ainda era o patrono e, nos demais, ele havia repassado o caso a outros advogados.

A prefeitura foi questionada sobre o fato e limitou-se a informar que Bin não atua nos processos particulares. Procurado, ele informou que já repassou, antes mesmo de assumir o cargo, os casos a colegas e que não exerce a advocacia por conta do impedimento. Informou, ainda, que deixou o escritório, que está sendo gerido pela sua mulher, mas admitiu que não pediu licença da OAB. “Acho desnecessário, não estou atuando e já subestabeleci todos os processos”, disse, afirmando ainda que, no entendimento pessoal dele, o pedido de licença não é uma imposição do estatuto da OAB.

Já o secretário de Planejamento e vice-prefeito, Daniel Gobbi (PP), constitui-se uma exceção e é o único que efetivamente procurou a OAB para comunicar sua incompatibilidade. Embora tenha mantido sua situação ativa na OAB mesmo depois de ter assumido os cargos públicos, ele não atuou em nenhum processo no período e também já pediu sua licença dos quadros da OAB, de acordo com o que determina o regimento.

Procurado, ele informou que já pediu a baixa e que, mesmo antes disso, não atuava como advogado.

Justificativa

Daniel Gobbi, vice-prefeito de Ribeirão e secretário do Planejamento – Foto: Reprodução

Em nota, a prefeitura de Ribeirão negou ainda que a atuação dos secretários como advogados contrarie a legislação vigente.
“Em todos os casos apontados, nenhum dos citados “exerceu a advocacia”, incompatibilidade prevista no Estatuto da OAB, Lei. 8.906/1994, em seus artigos 27 e 28. É incompatível, nos termos da lei, o exercício da advocacia, enquanto ocupante ‘de cargos ou funções de direção em Órgãos da Administração Pública direta ou indireta’”. “Não há qualquer vedação prevista no Estatuto da OAB em manter registro ativo na OAB, órgão de classe dos advogados no país, desde que sem exercício da advocacia”, informou a prefeitura.

A informação, entretanto, foi desmentida pela OAB. “O artigo 12 do Estatuto da OAB é claro: quem passa a exercer, em definitivo, atividade incompatível com a advocacia, deve pedir licença de sua inscrição e não pode exercer qualquer atividade da advocacia durante o período”, afirma Luiz Vicente Corrêa, presidente da OAB em Ribeirão. “Neste caso, cabe ao advogado requerer o seu licenciamento, sob pena de que seja realizado de ofício pelo Conselho Seccional responsável e sofra as punições determinadas pelo Conselho de Ética”, afirma.

Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil, todos os envolvidos podem ter cometido infrações éticas. A lei federal 8906/2004, que institui o Estatuto de Ética da instituição. A atuação dos envolvidos será analisada pelo Conselho de Ética da entidade e também pode gerar ações criminais por exercício irregular da advocacia, segundo o presidente da OAB Ribeirão, Luiz Vicente Corrêa.

Já segundo Thiago Marrara, especialista em direito administrativo, o licenciamento dos profissionais incompatíveis com a advocacia deveria ser irrestrito e imediato. “É uma incompatibilidade absoluta, que pode inclusive trazer nulidades ao processo, além de ser contrária às leis que regem a advocacia”, afirmou.

O cientista político José Elias Domingos acredita que a discussão dos casos deveria ser pautada não exatamente pela legalidade, mas pera moralidade. “A administração deve se atentar à moralidade, que deve ser uma bússola. Um secretário que atua como advogado abre precedentes e espaço para relações que não são moralmente corretas”, informou.