Desde o momento do nascimento o novo indivíduo está mais do que em permanente transformação: está em constante aprendizagem. Percebemos isso com facilidade ao observar ou lembrar – de olhos fechados e mente aberta – de um bebê que se guia pelo cheiro e vai na direção segura da mãe, depois os olhinhos que buscam deslumbrados os movimentos e brilhos do ambiente. É não é encantador reparar no encanto de crianças de colo ou no início do ganho do chão vendo todos aquele estímulo das luzes e do espírito do Natal nos shoppings centers?
Tudo é novidade. Tudo é novo. Tudo é inspirador ou, ao menos, deveria ser assim. Infelizmente com o passar do tempo a influência do adultocentrismo passa a ser cada vez mais marcante na vida das crianças e, com empenho, finca-se no adolescente que ainda resiste – de certa maneira – por meio do que a visão adultocênctrica enxerga como rebeldia.
A curiosidade é nata ao ser humano desde o nascimento e é só aproveitar a oportunidade de observar situações assim, com dedicação e entrega, para compreender a delicadeza e significação desses momentos. É através da observação que o bebê percebe compreender – e aprende – que o objeto cai e alguém o pega. Ele ri e experimenta: joga novamente e a resposta se repete.
Mais aberto que ninguém à aprendizagem os bebês e as crianças são pequenos, mas não menos importantes ou significantes, indivíduos sociais que começam a construir seu repertório e sua história por meio da manipulação, da experimentação, aproveitando os estímulos que o meio lhe proporciona.
O que acontece no meio do caminho? Os adultos! Os adultos que muitas vezes caminham na contramão desse sistema, intensificando suas marcas no desenvolvimento humano infantil ao passo que as crianças vão se tornando adolescentes.
Antigamente as crianças eram retiradas de ambientes em que adultos se encontravam conversando porque não era assunto de criança. Mas nas poucas fotos de épocas assim é identificável meninas – e em especial meninos – vestidos como mini criaturas adultas ocupando seus espaços sociais-familiares.
Não apenas transferências de responsabilidades educacional, cultura, social e até afetiva foram conquistando território na história humana, mas também a tomada de consciência de responsabilidades e aprendizagens.
Com o avanço da tecnologia o adultocentrismo ganhou força com o egocentrismo e responsabilidades – transferidas ou não – tiveram baixa assim como a aprendizagem e o poder de aprendizagem.
O arroz que corre o risco de queimar no fogão, a notificação da mensagem no aplicativo, a máquina de lavar roupa que acabou e o amarrotar da roupa que precisa ser estendida venceram tempos dedicados a respostas a pequenas curiosidades infantis que modulam – ou deveriam modular – a aprendizagem. Isso porque quando uma curiosidade se forma, a pergunta simples, rápida e muitas vezes despercebida é o ponto de ignição para grandiosas descobertas e oportunidades.
Uma mediação em torno disso? Leituras, jogos, cantos, risadas e diálogos em grupo. E que oportunidade maior que a do momento em que a vivência imposta ou não de isolamento social bate à porta de todo um planeta?
Você conhece a própria história? Sabe de onde veio? Como veio? A que veio? Se ninguém lhe contou já perguntou? Não?! O não saber também é uma história e pode estar vinculada a uma cultura, um hábito, um porquê diferenciado capaz de trazer experiência única ao saber do outro. Você já compartilhou sentimentos íntimos e bobos de sua história com seus filhos, sobrinhos, netos? Eles sabem como ganhou a vida e o esforço que desprendeu para suas conquistas e fracassos?
Histórias assim agem como facilitadores na regulação e no saber lidar com frustrações a favor da resiliência. Esse é o caminho mais pertinente à felicidade e ao sucesso que a proteção afetiva excessiva e desvirtuosa.
Os tempos de baixa da economia requerem e convidam a replanejamentos que, sabiamente analisados e executados, podem ser transformadores.
Escolas fechadas, aulas remotas são a realidade da qual não se pode fugir ou alterar. Que tal aproveitá-la e conhecer a si, apresentar-se ao outro, elaborar amores e tristezas, perdas e ganhos que constituem uma história e aprimoram reportórios?
A autoria, diferentemente do que se pensa, é a habilidade de olhar e dizer o diferente diante do comum. É aquilo que causa no outro a parada, o silêncio, o questionamento, o alívio e, para tanto, o repertório é indispensável. O quanto tem contribuído para a construção e alimento do repertório dos que o rodeiam, especialmente daqueles ainda em fase de desenvolvimento humano e escolar?
O mundo e a circunstância em que se vive hoje fazem um convite. Qual aproveitamento está se tendo disso enquanto mantem-se à espera de um retorno ao normal que não será – nunca mais será – o normal que se conhecia antes? Está-se preparado isso? Está-se preparando para tal?
Leia para seus filhos, leia para seus netos, leia para si mesmo e por si mesmo e amplie o conhecimentos e repertórios para a autonomia no mundo. Jogue Escravos de Jó, Torrinha (Ludo), UNO e outras coisas e desenvolva funções executivas que favorecem crianças e adolescentes, adultos e 60+, sociedades e comunidades na flexibilidade e proatividade. Brinque de mímica e exerça a criatividade, o autoconhecimento corporal e emocional. Apague a luz e a televisão, ouça música, cante e dance, trabalhe a respiração, a emoção e o controle da ansiedade. O mínimo de cada detalhe fortalecerá o retorno ao mundo que, não necessariamente, será o mesmo, mas que poderá ser melhor desde já.
Não estacione e não transfira – agora à pandemia e ao isolamento social – o aprimoramento e desenvolvimento que o momento dá.
Tudo ao redor é um portador de texto com significação – até as valas comuns que surgem na televisão. Aproveite a situação e a razão com significação e transformação.